29.11.08

Sentir dor é bom?

A Parashá desta semana, Toldot, continua a contar-nos um pouco mais sobre Itzchak, uma pessoa recta em todos os seus actos e com uma impressionante visão do seu propósito no mundo. Onde podemos ver a sua grandeza? No episódio da Akeidá, no qual D'us testou Avraham pedindo para que sacrificasse o seu filho. Aparentemente Itzchak não sabia que seria sacrificado e somente por isso aceitou ir com o seu pai. Mas a Torá diz algo diferente, pois está escrito "E Avraham pegou na lenha para a oferenda e colocou sobre as costas de Itzchak, o seu filho. Ele pegou nas suas mãos o fogo e a faca, e os dois subiram juntos... E então Itzchak falou para Avraham, o seu pai... 'Aqui está o fogo e a madeira, mas onde está a ovelha para o sacrifício?'. E Avraham respondeu: 'D'us escolherá a ovelha para o sacrifício, meu filho'. E os dois subiram juntos" (Bereshit 22:6-8). Por que a Torá precisou repetir "E os dois subiram juntos"? Para nos ensinar que mesmo após Itzchak entender que ele seria o sacrifício, continuou a subir com Avraham, e com o mesmo entusiasmo de antes. Apesar do sacrifício não ter efectivamente ocorrido, D'us considerou como se Itzchak realmente tivesse dado a vida por Ele.

Mas a Parashá ensina algo difícil de ser entendido. Itzchak, este grande Tzadik (Justo) que estava disposto a dar a sua vida por D'us, ficou cego, como está escrito "E foi, quando Itzchak envelheceu, os seus olhos se escureceram..." (Bereshit 27:1). Isso ocorreu quando Itzchak tinha 123 anos, e como ele viveu até os 180 anos, vemos que ele passou mais de 50 anos imerso em total escuridão. Porque D'us causou tanto sofrimento a Itzchak? E mais do que isso, se D'us é bondoso, porque pessoas boas sofrem?

Temos uma visão completamente equivocada dos sofrimentos. Quando sofremos, sentimos que D'us nos abandonou e nos deixou de lado. Mas é justamente o contrário, os sofrimentos são um grande presente de D'us, que recebemos somente pelos méritos de Itzchak. Segundo o Midrash (parte da Torá Oral), as pessoas não recebiam sofrimentos, e foi justamente Itzchak quem pediu para que D'us nos mandasse sofrimentos. D'us concordou e começou por Itzchak mesmo, deixando-o cego. Mas porque Itzchak queria sofrimentos no mundo?

Explica o Chafetz Chaim que existe uma grande diferença entre os castigos aplicado pelos seres humanos e os castigos aplicado por D'us. Os castigos aplicados pelos seres humanos são apenas um meio de colocar medo á pessoa. Aquele que castiga espera que o transgressor aprenda a lição e não volte a errar novamente no futuro. Já os castigos Divinos, além de ajudarem as pessoas a não voltar a transgredir, também limpam, através dos sofrimentos, os erros cometidos.

Não existe Tzadik no mundo que faz o bem e não peca. Cada transgressão que fazemos cria um anjo, que se torna um acusador no Tribunal Celestial. E quanto maior o nível da pessoa, mais ele é cobrado por qualquer erro cometido. É como uma pessoa dentro de uma empresa, quanto maior o cargo, maior a responsabilidade e maiores as consequências no caso de um erro cometido. Quando o da limpeza erra, a sala pode ficar um pouco mais suja, mas se o presidente erra, ele pode fechar toda a empresa. Itzchak, com o seu grande nível espiritual, entendeu que sem sofrimentos nenhum ser humano conseguiria passar pela Justiça Celestial quando saísse deste mundo. Por isso pediu para que D'us desconta-se parte dos nossos erros através de sofrimentos ainda neste mundo.

Sentir dor é bom? A maioria das pessoas diria que não. Mas existe uma doença chamada CIPA (insensibilidade congénita à dor) que causa com que a pessoa não sinta nenhuma dor. Mas bem longe de viver uma vida paradisíaca, em geral estas pessoas morrem muito jovens, quase sempre por motivos banais como queimaduras ou pequenos ferimentos. Qualquer criança normal que coloca a mão no fogo, ao primeiro sinal de dor, retira rapidamente o braço, num acto reflexo de proteção. Mas estas crianças com a doença, por não sentirem nenhuma dor, não entendem o perigo que estão a correr e acabam por morrer. A dor é, portanto, algo amargo mas que salva a nossa vida. E da mesma forma que isso ocorre no mundo material, assim também ocorre no mundo espiritual, isto é, os sofrimentos são amargos e difíceis, mas salvam a nossa vida eterna. Funciona tanto como um alarme de que algo vai mal bem como uma maneira de limpar os nossos erros e permitir que possamos sair limpos deste mundo.

Esta lição ajuda-nos muito na nossa vida, pois não existe ninguém que não passa por sofrimentos e dificuldades. Saber que os sofrimentos têm um propósito ajuda a aceitá-los. Não temos que pedir mais sofrimentos a D'us, pois mal e mal suportamos os que já temos, mas temos a obrigação de receber os sofrimentos que nos manda com alegria, pois apesar de serem amargos e difíceis, os sofrimentos, que são limitados, ajudarão a ter uma eternidade de prazeres ilimitados.