23.11.08

Querer e agir

"O rabino Israel Salanter viajava de combóio até á cidade de Vilna. Apesar de já ser um dos maiores rabinos da geração, costumava viajar sózinho e com roupas simples, detalhes que escondiam a sua verdadeira importância. Ele viajava numa carruagem especial para fumadores juntamente com um outro judeu, que também ia para Vilna. No meio da viagem o Rabino acendeu um cigarro, mas imediatamente o outro judeu gritou, de forma desrespeitosa, para que o rabino apagasse o cigarro, argumentando que ele não suportava o cheiro. O Rabino poderia ter explicado que aquela carruagem era para fumadores, mas preferiu pedir desculpas e apagar o cigarro. Poucos minutos depois novos gritos daquele judeu ecoaram na carruagem. Desta vez gritava com o Rabino reclamando da janela aberta e do frio que entrava. Novamente o Rabino poderia justificar-se e explicar que a janela não havia sido aberta por ele, mas novamente preferiu pedir educadamente desculpas, levantar e fechar a janela.
Quando chegaram a Vilna, uma grande multidão esperava pelo Rabino Salanter. O outro judeu, curioso, perguntou quem era a grande celebridade que estava naquele combóio. Quando soube que aquele homem com quem tinha sido tão grosseiro era o grande Rabino Salanter, quase desmaiou. Passou toda a noite sem dormir e logo pela manhã foi até ao hotel onde o rabino estava hospedado. Mas antes que pudesse começar a falar, o Rabino sorriu e convidou-o, com uma voz suave, a sentar-se e tomar algo. Aquele judeu surpreendeu-se tanto com a simpatia daquele rabino, com quem ele havia sido tão indelicado, que chorou, e entre lágrimas pediu sinceramente perdão. O Rabino disse-lhe para não se preocupar pois já o havia perdoado e não tinha guardado nenhum rancor no coração.
Começaram a conversar e o rabino descobriu que o jovem estava em Vilna para se submeter a uma prova necessária para receber a autorização para fazer Shchitá (abate Kasher de animais). O Rabino fez de tudo para ajudá-lo a conseguir a autorização e abriu-lhe muitas portas. Mas infelizmente no dia da prova o rapaz demonstrou que não tinha os conhecimentos necessários e foi reprovado. O rabino que aplicou a prova pensou que talvez o mau desempenho era consequência do cansaço da viagem, e por isso pediu para que ele descansasse e tentasse novamente dentro de poucos dias. O rapaz ficou arrasado, pensou em voltar imediatamente para casa e abandonar o sonho de ser um Shochet.
Assim que soube da sua reprovação, o Rabino correu até á hospedaria onde estava o rapaz e convenceu-o a ficar e a tentar de novo. Conseguiu que um experiente Shochet da cidade estudasse com ele todas as Halachót (leis) e pagou ao jovem rapaz todos os custos da sua estadia na cidade. O jovem não desperdiçou a oportunidade, estudou com afinco e dedicação e novamente se submeteu à avaliação, sendo aprovado com louvor pelos maiores rabinos da cidade. Mas o Rabino ainda não estava contente e não descansou até que conseguiu uma comunidade adequada onde aquele rapaz pudesse trabalhar e ter um bom sustento. Quando souberam de tudo que o Rabino havia ajudado aquele rapaz, perguntaram: "Porque tanta ajuda?". O rabino explicou:
- Quando este jovem veio pedir perdão, respondi que eu o havia perdoado completamente e que não havia nenhum rancor, e realmente falei isso de todo o coração. Porém, como sei que sou apenas uma pessoa de carne e osso, fiquei com medo que algum nível de rancor pudesse ter ficado no meu coração. Assim, esforcei-me em tudo o que pude para fazer bondades com ele e retirar qualquer resíduo de mágoa do coração"
Para se vencer uma má inclinação não é suficiente apenas querer. É preciso esforço até se conseguir.