2.1.07

A visão judaica do dinheiro


O amor de uma pessoa por D’us deve exceder o seu amor pelas coisas materiais. Somos ordenados a “Amar a D’us com todo o nosso coração, alma, e força” (Deuteronômio 6:5), ou seja, mesmo que custe toda a nossa riqueza. Portanto, há tempos em que a pessoa deve estar pronta para sacrificar todas as suas possessões por D’us, mesmo que não seja exigido que entregue a sua vida. Se uma pessoa vive num lugar em que não é possível manter a religião, esta deve mudar-se para um outro lugar em que isto seja possível, sejam quais forem as despesas ou perdas. A pessoa deve sacrificar todas as suas possessões a violar qualquer mandamento negativo da Torá...Então nunca se deve fazer negócios no Shabat, mesmo sabendo que este é o melhor dia para fazê-lo, pois poderá cair na tentação de ganhar um lucro extra no Shabat.Embora deva empobrecer-se no lugar de cometer um pecado, isto não é necessário para se fazer uma boa acção. Dos dois dízimos agrícolas, aprendemos que D’us não quer que usemos mais do que um quinto (20 por cento) dos nossos recursos para propósitos religiosos. Então, não é preciso gastar mais do que um quinto do seu dinheiro para cumprir um mandamento positivo, mesmo que haja outra chance de cumprí-lo mais tarde. Por exemplo, não precisamos gastar mais do que isso para ter um tallit ou tefillin, uma sucá ou etrog para Sucot, ou matzá para Pessach.

Dando caridade (tzedaká)
De modo semelhante, um quinto do salário é considerado uma contribuição generosa para tzedaká, e não deve exceder esse valor. É proibido empobrecer-se distribuindo toda a sua riqueza e a pessoa que o faz é considerada piedosa de forma insensata e trará a destruição ao mundo. Porém, uma pessoa pode deixar um terço das suas propriedades para tzedaká.De qualquer modo, o mínimo de um-décimo do salário/lucro pertence a D’us, e deve ser usado para a caridade ou propósitos religiosos. Esta medida é tirada dos Patriarcas, quando Iakov (Jacó) disse a D’us: “De tudo o que Você me dá, eu guardarei um décimo para Você” (Gênesis 28:22). Da mesma forma, o Talmud ensina que devemos dar um décimo do nosso lucro para a caridade, o que percebemos pelo verso: “Honra a D’us com os teus bens e com os primeiros frutos da sua produção” (Provérbios 3:9).Se há uma necessidade urgente de caridade ou de cumprimento de algum mandamento, deve sacrificar-se um quinto, ou pelo menos um décimo, de todas as suas possessões. Embora, depois da primeira vez, só seja preciso dar o dizimo da sua renda anual. Em todo caso, as pessoas muito ricas devem dar o quanto for necessário.É um mandamento positivo fazer caridade, como a Torá diz, "Abra a sua mão generosamente, e estenda para [o seu irmão necessitado] quanto for preciso para a sua necessidade” (Deuteronômio15:8). O mínimo que alguém pode dar para cumprir este mandamento é um terço de shekel por ano. Deste modo, está escrito: "Colocamos sobre nós mesmos a responsabilidade de doar um terço de um shekel anualmente para o trabalho da casa de D’us" (Neemias 10:33). Esta quantia deve ser dada pelos mais pobres, pois, caso contrário, estes estarão a violar o mandamento de dar tzedaká. Porém, se uma pessoa vive uma vida boa e dá menos do que a décima parte dos seus lucros esta é considerada avarenta. Se a pessoa estiver acostumada a usar o dízimo para caridade somente, não deve usar o seu dinheiro para nenhum outro motivo religioso. Embora possa usar para comprar artigos ou livros religiosos, que, por sua vez, emprestará ao mais necessitado, desde que esteja claramente designado para este propósito.

Intensificando as Mitzvot
Fomos escolhidos para cumprir os mandamentos de D’us da forma mais bonita possível, como a Torá descreve: Este é o meu D’us e vou glorificá-lo” (Êxodo 15:2). Então, sempre que possível, não devemos comprar o artigo religioso mais barato disponível, e sim gastar um pouco mais de um terço para obter um artigo melhor. Quando é preciso escolher entre dois artigos desta forma, a pessoa deve gastar um terço para comprar o melhor. Por exemplo, antes de comprar um talit mais barato, deve-se gastar um pouco mais de um terço para ter um melhor. Se a pessoa gasta mais do que o extra de um terço requerido para intensificar o cumprimento do mandamento, D’us lhe devolverá de forma ampla aqui na Terra. Portanto, qualquer lucro ou renda inesperada pode ser usado para este propósito. Deve-se sempre dar do melhor para D’us, como está escrito: “A melhor escolha pertence a D’us” (Levítico 3:16). Neste caso, quando uma congregação constrói uma sinagoga, esta deve ser construída da forma mais bonita possível, como as escrituras notificam: "D’us nos concedeu um favor... para que possamos colocar no alto a Casa de D’us” (Esdras 9:9). Não deve haver nenhum sinal de pobreza, falsa economia, ou restrições ao construir uma casa dedicada a Torá de D’us. Porém, isto não deve ser feito às custas de outras obras beneficentes, nem negar afiliação àqueles com menos recursos.Porém, até com bens mais sagrados, o desperdício e a riqueza não são normas de estética e bom gosto. Por exemplo, não se deve usar ouro sendo que a prata seria a mesma coisa.Somos ensinados pela Torá a ter consideração pelo dinheiro, e não devemos desperdiçá-lo. Encontramos isto no exemplo de uma casa que está com praga, onde está declarado: “O sacerdote ordenará que despejem a casa, antes que venha examinar a praga, para que não seja contaminado todo o que está na casa: depois virá o sacerdote, para examinar a casa” (Levítico 14:36). Da mesma forma, descobrimos que D’us faz milagres não somente para salvar as nossas vidas como também para salvar as nossas possessões, como, por exemplo fez com que caísse água não só para os Israelitas como também para o seu gado.

Não seja esbanjador
É proibido destruir qualquer objecto útil, como aprendemos pelo mandamento, "Você não deve destruir as árvores da cidade" (Deuteronômio 20:19). Aquele que destrói cruelmente mobília ou utensílios, roupas rasgadas, ou desperdiça boa comida, é culpado de violar este mandamento. Além disso, se o fizer com raiva, é considerado como se cometesse idolatria. Não se deve destruir nada em que foi dito uma prece, como está escrito: “Não destrua a videira, pois a bênção sobre o vinho está nela” (Isaias 65:8).Este tipo de destruição é proibido somente se não houver motivo para tal. Se há alguma razão lógica, é permitido. Além disso, se tratar-se de uma questão de saúde, logicamente é melhor que se destrua uma possessão do que a saúde de uma pessoa. É também proibido danificar ou destruir bens alheios, ou fazer alguma coisa que poderá causar prejuízo. Se uma pessoa causa prejuízo, ele deve restituir o que danificou, como está escrito: “Quem matar um animal, o restituirá, igual por igual” (Levitico 24:18).

Enganando e roubando
É proibido roubar, furtar ou tomar ilegalmente algum bem ou dinheiro, como somos ordenados: "Não roube... Não detenha o que é do seu próximo." (Levítico 19:11, 13). Ou seja, devemos ser estritamente cuidadosos para não se apropriar ilegalmente de qualquer dinheiro ou bem de qualquer maneira, não importa o quão trivial seja o seu valor, não importando de quem seja, adulto ou criança. É proibido também roubar com o objectivo de fazer alguma brincadeira com o próximo ou aborrecê-lo, mesmo que a pessoa pretenda devolver o que pegou imediatamente. O profeta diz, "Se um homem perverso se converter do seu pecado e restituir o que pegou...certamente viverá” (Ezequiel 33:15), da onde aprendemos que roubar é considerado um acto perverso mesmo que pretendamos devolver ou restituir o artigo roubado.D’us manda que devolvamos qualquer bem que está ilegalmente connosco, como a Torá afirma: “Ele deve retornar o artigo roubado, os capitais retidos, o artigo encontrado" (Levítico 5:23). Se o artigo roubado estiver disponível e intacto deve ser devolvido, caso contrário, deve haver uma restituição que favoreça o seu valor na hora do roubo. Se o proprietário se mudou para uma cidade distante, somos obrigados a informá-lo sobre o artigo para que ele venha pegá-lo. Se o proprietário não estiver mais vivo a restituição deve ser feita aos seus herdeiros.Uma pessoa que rouba ou engana o público não tem a quem reembolsar e não poderá se rectificar pelo que fez. Mesmo assim, deve dar o seu melhor para conseguir o bem-estar do público e ajudar nas suas necessidades, para que aqueles de quem ele roubou possam, indirectamente, beneficiar. E se for possível, deve fazer uma confissão em público e pedir perdão. É proibido comprar um artigo roubado, assim como se tornar um cúmplice do ladrão e encorajá-lo a roubar mais. Em relação a isto está escrito: "Aquele que compartilha com um ladrão odeia a sua própria alma" (Provérbios 29:24). É proibido, também usar um artigo roubado ou tirar qualquer benefício dele. Então não se deve comprar alguma coisa que talvez possa ser roubada ou obtida de modo desonesto. Aquele que negocia com bens roubados de qualquer forma é considerado como se tivesse roubado em público, e o seu arrependimento é extremamente difícil.

Possessões alheias
O acto de pegar sem permissão é considerado o mesmo que roubar. Por isso, é proibido usar algo de outra pessoa sem a permissão desta. Este acto é proibido mesmo se soubermos que a pessoa emprestará tranquilamente o objecto. Se por acaso o casaco ou alguma outra coisa foram, acidentalmente, trocados numa reunião ou festa pública, deve-se devolver o artigo para o seu proprietário legítimo, mesmo que o seu artigo possa estar perdido. Da mesma forma que se a roupa de uma outra pessoa está consigo, ou qualquer situação deste tipo, a pessoa que está com a roupa não pode usá-la, deve devolvê-la ao seu dono.Não se deve aceitar qualquer coisa dada num acto de ameaça ou humilhação. Aceitar um presente que não é dado sinceramente é a mesma coisa que roubá-lo. Em relação a isto a Torá adverte-nos: “O que é ávido por lucro desonesto, transtorna a sua casa, mas o que odeia o suborno, viverá” (Provérbios 15:27). Então, não devemos comer numa casa onde não haja comida suficiente ou onde o convite não seja verdadeiro, como somos ensinados: "Não comas o pão de um homem invejoso" (Provérbios 23:6).É proibido também desdenhar os bens do próximo, como nos fala a Torá: "Não desejes a casa do teu vizinho nem o seu campo, nem o seu empregado... ou qualquer outra coisa que seja dele” (Deuteronômio 5:18). Se alguém tenta convencer o dono de algum bem a vendê-lo contra a sua própria vontade, é culpado de violar o mandamento que diz: "Não tenhas inveja da casa do seu vizinho... ou de qualquer outra coisa que a ele pertença" (Êxodo 20:14). Ambas as leis estão nos Dez Mandamentos e são aplicadas até onde não há desonestidade envolvida.

Transacções de negócios
É proibido ser desonesto ou trapacear em qualquer transacção de negócios, como somos ordenados: "Quando venderes alguma coisa ao teu próximo, ou a comprares da mão do teu próximo, não oprimas o teu irmão”. (Levítico 25:14). Manter a honestidade ao lidar com negócios é equivalente a segurar a Torá inteira, e é a primeira coisa que é julgada no tribunal divino. Assim como é proibido ser desonesto com um judeu, também é proibido roubar, trapacear ou furtar de um não-judeu. Em muitos casos, isto é pior do que roubar de um judeu, pois faz com que as pessoas pensem nos judeus de forma errada, como tendo uma má reputação, além de ser uma profanação do nome de D’us.A honestidade de uma pessoa deve ir além dos requisitos da Lei, e todos os seus procedimentos devem ser íntegros e justos para todos. Em todos os caminhos da vida, deve-se estar ciente de que D’us está sempre a assistir ao que fazemos e como agimos. Por isso, somos ordenados a: "Faras o que é recto e bom aos olhos de D’us" (Deuteronômio 6:18). É proibido usar dinheiro desonesto para a caridade ou qualquer outro propósito religioso, como D’us disse ao Seu profeta, "Porque Eu, D’us, amo a justiça, e odeio o roubo" (Isaias 61:8). O salmista também nos ensina, "O cobiçoso se vangloria da sua incontida ambição e o iníquo ousa blasfemar contra o Eterno” (Salmos 10:3). Da mesma forma, a pessoa que tem dívidas excessivas deve indemnizá-las antes de dar tzedaká. É uma bênção poder ganhar a nossa própria entrada no mundo e poder apreciar os frutos do nosso próprio trabalho, como o Salmista escreve, "O trabalho das tuas mãos proverá sustento, feliz serás e tudo te correrá bem” (Salmos 128:2). Assim, os negócios e a carreira devem estar sempre em segundo lugar no que diz respeito as nossas tarefas perante D’us. Aquele que coloca as considerações materiais acima do serviço de D’us é culpado por violar o mandamento de amar a D’us acima de tudo.
Do Manual do pensamento judaico. “The Handbook of Jewish Thought” (Vol 2, Maznaim Publishing.