27.12.06

Um dia muito especial



Esta exposição refere-se ao aniversário de acordo com a data judaica e não do calendário gregoriano. O nascimento de uma criança, apesar de ser um acontecimento maravilhoso, é visto como ocorrência normal, parte do ciclo da vida. Estamos acostumados ao facto de, dia após dia, novos bebés virem ao mundo.


O homem foi criado à imagem de D'us; isto significa que ele tem a faculdade de emular o seu Criador. Sobretudo, na capacidade de criar vida, gerando filhos. Para trazer uma criança ao mundo não é preciso ser um grande sábio, nem ser universitário; tão pouco requer muita preparação ou grandes investimentos. Mesmo os animais conseguem reproduzir-se sem aprendizagem, seguindo apenas os seus instintos.
Mas, para o homem, o facto de procriar é muito mais do que uma simples questão biológica de reprodução das espécies; é algo muito mais sério. Quando o embrião é fecundado, os pais atraem das Alturas uma alma pura - uma Centelha Divina - que irá insuflar o seu espírito e animar o corpo daquele ser cuja concepção foi iniciada. A definição de como será o futuro dessa criança irá depender do grau de santidade que os pais investirão na sua concepção. Por isso, é de extrema importância a consciência dos pais na hora da procriação.
Na maioria das vezes, a criança trazida ao mundo foi muito desejada. Porém, quando infelizmente este não é o caso, o seu nascimento não causa a alegria e a felicidade que se deve experimentar em tal ocasião. De qualquer modo, a pequena criatura vem ao mundo e encontra-se diante de nós. Chora e exige toda a nossa atenção, reclamando com ênfase desesperada os seus direitos e os cuidados que lhe são devidos. Assim é a vida!
Paremos um pouco para pensar. É verdade que, no decorrer dos séculos, centenas de milhões de pessoas nasceram e morreram, este é o nosso mundo e assim funciona a nossa existência terrena. Mas será que é tudo tão simples quanto parece? Por favor, pare e medite antes de continuar a sua leitura!
Tendo, agora, reflectido sobre o surgimento da vida, concentremo-nos no dia do nascimento. Ao vir ao mundo a criança é pequena, frágil, indefesa. Uma criatura inocente, com órgãos minúsculos, mas que funcionam em perfeita harmonia. Realmente fantástico, surpreendente e, ao mesmo tempo, encantador. Eu, também, já fui este ser pequenino, assim como o foram cada um de vocês, leitores, e toda a humanidade, também.
O mais importante, porém, é que cada um de nós é único e muito especial. Sim, cada um de nós é insubstituível; eu, você, todos nós - porque cada alma é única e cada uma tem a sua missão singular. O que realiza neste mundo, apenas você - e mais ninguém - poderá realizar. Homem algum poderá cumprir o papel que lhe foi determinado e é seu.
Imagino, caro leitor, que esteja a duvidar destas afirmações. É bem verdade, o mundo continua existindo e funcionando com ou sem determinados indivíduos. As empresas vivem trocando de funcionários, de directores, e nem por isso interrompem suas actividades. Sempre há alguém para substituir. É por isso mesmo que você chegou à conclusão de que, de facto, todos somos dispensáveis. O seu raciocínio também está certo, mas apenas no plano colectivo e social. Pois, no plano individual e ainda mais no espiritual tudo é muito diferente.
O ser humano é exclusivo. Cada pessoa nasce sob a influência de um signo do zodíaco e tem inclinações para actuar de acordo com seu próprio Mazal- a sua sorte, o seu destino. Cada um de nós tem um destino completamente diferente e uma missão única e peculiar na vida. Cada um de nós foi presenteado com uma energia excepcional que nos cabe ampliar e accionar.
Os nossos sábios ensinam-nos, que a Torá foi-nos entregue para sabermos como canalizar estas forças de maneira positiva. Assim, poderemos tirar o máximo proveito delas para o cumprimento da nossa missão na Terra. Usando a força da Torá, temos capacidade de modificar o nosso destino e de transformar e melhorar os Decretos Celestiais.
A cada ano, no dia do aniversário judaico de um indivíduo, o seu Mazal atinge o auge, favorecendo a pessoa com as benesses que contém. Toda a energia e a vitalidade que lhe foram concedidas no dia em que nasceu repetem-se no seu aniversário, ano após ano, com intensidade maior e força redobrada. Isto é muito semelhante com o conceito de Rosh Hashaná, quando começamos o ano novo com intensas orações e com o toque de Shofar. Por outras palavras, o dia do aniversário nada mais é do que o Rosh Hashaná individual de cada ser humano.
Consta no livro Tanya, de autoria de um dos grandes mestres chassídicos, que todos os anos, em Rosh Hashaná, existe uma nova vitalidade que D'us manda ao mundo, totalmente diferente da enviada no ano findo. O êxito em recebermos esta energia depende do fervor e da seriedade das orações do povo de Israel nos dias de Rosh Hashaná e da sua maior aproximação ao Todo Poderoso. Nenhum ano é igual ao outro, assim como não há um ser idêntico a outro. Certa vez, um grande sábio disse aos seus discípulos: "Vou-lhes mostrar algo totalmente novo, que nunca esteve no mundo e jamais voltará a existir. Assim, mostrando uma maçã, disse: 'Esta maçã nunca esteve no mundo e, após ser consumida, nunca mais voltará a existir' ".
Se isto é verdade para qualquer criatura, mais válido ainda o é em relação ao homem. Não só cada ser humano é distinto do outro, mas também para cada indivíduo cada um dos anos é diferente. Esta diferença é mais perceptível em certas datas específicas da nossa vida. Eis aqui um exemplo clássico, a partir do qual, poderemos aplicar a regra a muitos outros casos.
Os dias do Bar e Bat-Mitzvá são, sem sombra de dúvida, datas muito especiais. Os pais têm que se alegrar nesses dias como o fizeram no dia do nascimento dos seus filhos e como irão fazê-lo no dia do seu casamento. O significado desta alegria está ligado directamente com o que foi explicado acima, a respeito do dia do aniversário.
Pois estas datas, além de serem o dia do nascimento dos jovens, possuem uma dupla dose de energia por serem datas muito significativas e de grande elevação espiritual. Nelas, os jovens atingem a sua maioridade religiosa e tornam-se independentes e responsáveis pelos seus actos. E o mesmo acontece no dia do casamento. Pois, de acordo com a nossa tradição, os jovens, em dia tão solene, começam uma nova página na sua vida e são considerados como recém nascidos, sem falhas, isentos de qualquer erro.
É bem comum comemorar a data de aniversário com uma reunião familiar e na proximidade de amigos; com bolo e velas. Além de muito bonito, é motivo para fortalecer a união e fazer, assim, pairar uma atmosfera amiga e de paz entre os presentes. Mas não é o bastante, muito menos o mais importante. Precisamos transformar o dia do nosso aniversário num dia muito especial. Devemos, acima de tudo, tomar decisões positivas no que diz respeito ao nosso comportamento e procurar acrescentar algo a mais de judaísmo na nossa vida e no nosso dia-a-dia. Somente assim alcançaremos os verdadeiros objectivos para os quais cada um de nós foi criado.

Avraham Cohen é rabino da Sinagoga Beit Yaacov, São Paulo