30.3.08

Por que os justos morrem????

Yossef, um jovem avrech (rapaz que tem o estudo da Torá como principal ocupação), casado havia alguns anos, saiu da sinagoga com o seu irmão mais jovem na noite de Shabat, em direcção á casa da sua mãe para desejar-lhe um Shabat Shalom. Na casa reinava um ambiente agradável. As velas brilhavam com calma, como se anunciassem que o santo dia de Shabat chegou ao mundo. Somente a cadeira vazia na cabeceira da mesa, a cadeira pertencente ao seu pai que falecera dois anos antes, atrapalhou subitamente o descanso. Sentimentos de saudades e sofrimento preenchiam os corações. A mãe sentava-se numa cadeira, como de costume, e lia um livro.

"Shabat Shalom" - disseram os filhos. "Shabat Shalom" - respondeu a mãe, esforçando-se para esconder as lágrimas que escorriam ininterruptamente dos seus olhos.

"Está a chorar novamente!" - exclamou Yossef - "há de haver um limite para isto. Hoje é Shabat, e não se pode sofrer neste dia". "Mas vocês bem sabem que no dia de hoje, há dois anos, o vosso pai partiu para o outro mundo. Como é possível conter-se e não chorar?"

"Está bem" - disse Yossef- "hoje você tem motivo. Mas, e ontem, e anteontem? Já passaram-se dois anos e não consegue encontrar conforto. Chora e sofre, mas o pai encontra-se no Gan Eden, e certamente não está satisfeito com isto. E o Criador do mundo, obviamente não quer vê-la assim. No Shulchan Aruch (livro que compila o código de leis judaicas) está escrito quando deve-se sofrer mais, quando deve-se sofrer menos, e quando deve-se parar de sofrer. Se você não age assim, demonstra que não concorda com a vontade do Criador. Desculpe-me por falar tão directo, agressivo".

A mãe levantou-se, enxugou as lágrimas, e disse: "Tem razão, Yossef. Mas, com todas as minhas forças eu tento esquecer e não consigo" - e novamente limpou as suas lágrimas.

A pequena Shoshana disse: "Ima (mãe), nós queremos vê-la sempre contente!"

"Eu também quero" - respondeu a mãe. "Prometo a vocês que me empenharei muito para alcançar a alegria".

Yossef desejou Shabat Shalom á mãe e dirigiu-se para a sua casa. O jovem David morava na casa da mãe, e assumiu o papel de pai. Ele fez o kidush sobre o vinho, e durante a refeição todos experimentaram a sensação da verdadeira paz do Shabat: a mãe até mesmo sorria. Os filhos discursaram sobre a Porção Semanal, e a mãe sentiu muita satisfação. Todos deitaram-se á tarde, e a mãe sentiu certa calma dentro de si, sentimento que não experimentava desde que o marido a deixou.

Ela começou a pensar que não era a única, existem outras jovens viúvas, e elas são felizes pois se conformaram com o seu destino.

Na sua mente veio a lembrança do shiduch que lhe foi oferecido ultimamente, e isto a fez estremecer. Mas desta vez dormiu com tranquilidade. Fechou os seus olhos e viu-se com muitas pessoas, todas correndo. Saíram da cidade e chegaram a um bosque cerrado. Continuaram a correr bosque adentro na escuridão, quando repentinamente uma luz penetrou a cena e o bosque terminou. O sol apareceu com sua luz intensa, e ela viu-se diante de um grande jardim, cheio de flores que exalavam um perfume maravilhoso. Ao redor do jardim havia fontes de água cristalina.

De repente, surgiu um judeu de barba grisalha, vestido numa longa túnica branca. O judeu perguntou se desejava ver o seu marido, e ela o seguiu com o coração batendo forte. O ancião parou diante de uma grande árvore repleta de belas e grandes frutas, e de longe ela avistou um grande campo, contornado por uma cerca dourada. Dentro da imagem ela viu judeus vestidos em roupas coloridas sentados em fileiras estudando a Torá, e entre eles encontrava-se um jovem de pé, dando uma aula. "Espere um pouco," - disse o judeu idoso - "daqui a pouco a aula termina e você o verá". Ela olhou para todos os cantos e não acreditava no que os seus olhos viam. A aula terminou e o homem que estava leccionando seguiu na sua direcção. De repente, Rachel reconheceu a roupa superior do homem. A sua cabeça ficou tonta ao perceber que o seu marido encontrava-se de pé ao seu lado.

"Avraham!" - gritou e caiu sobre a árvore ao seu lado. "Sou eu" - respondeu o marido - "acalme-se!".

Permaneceu um bom tempo de olhos fechados, e quando finalmente voltou a si, perguntou: "Por que falecestes e me deixastes?... ainda estavas jovem."

"Saiba" - respondeu o marido com calma - "que o mundo no qual você vive é como uma terra de decreto para onde as pessoas são enviadas com o objectivo de completar certos assuntos ou sofrer por pecados que fizeram anteriormente. O verdadeiro mundo é aqui. Eu já estive uma vez no mundo antes de me conheceres. Eu era um grande sábio e justo, mas não queria casar-me com uma mulher nem ter filhos, para que isto não atrapalhasse os meus estudos.

"Quando parti do mundo, deram-me a liderança de uma Yeshivá no Gan Eden, e comecei a elevar-me a altos níveis. Ao tomarem conhecimento de que não me casei nem tive filhos, mandaram-me de volta ao mundo, e uni-me a ti, minha esposa. Quando o nosso sétimo filho nasceu, chamaram-me novamente para a Yeshivá no Gan Eden, onde todos esperavam por mim. É grande o teu mérito por te teres casado comigo, pois tenho aqui um bom nome, e ainda virá o tempo quando viveremos novamente com prazer neste mundo."

"Mas" - disse Rachel - "eu não sabia que eras um estudioso tão grande, e tu nunca tiveste tempo de estudar muito."

O seu marido respondeu: "Nem eu, pois vim ao mundo apenas para completar aquilo que me faltava - ter uma mulher, filhos, e sustentá-los devidamente. Assim que parti do mundo, a minha mente preencheu-se de conhecimento da Torá infinita".

"E o que há com o nosso David? Afinal, ele já completou vinte e quatro anos e ainda não lhe ofereceram nenhum shiduch, e eu não possuo verbas para casá-lo"?

O seu marido sorriu, dizendo: "O motivo para isto é que o par de David atrasou-se em vir ao mundo. Agora, a sua futura esposa tem apenas treze anos, e mora noutro país. Dentro de cinco anos ela virá para a sua cidade, casar-se-á com David e todas as despesas necessárias para o casamento serão resolvidas".

Rachel começou a tremer e em sua mente veio à tona uma memória dolorida. Sem forças, perguntou a seu marido: "Por que motivo aconteceu aquela tragédia, e nosso filho de três anos foi assassinado por um gentio bêbado?"

O marido sorriu, dizendo: "Siga-me!"

Ela começou a andar e chegaram num jardim repleto de luz, com pequenas árvores florescendo em todo canto, como se estivessem observando-a. Uma espécie de postes de luz em cores diversas desciam do céu. Belos pássaros voavam de árvore em árvore, e ela apurou o ouvido para escutar o seu canto. Alguns cantavam "A luz está plantada para o Justo, e a alegria para aqueles de coração correcto." Outros entoavam a melodia "Para que entoe louvor a Ti."

E eis que ela viu círculos de fogo coloridos flamejando. Estes desceram e pararam ao seu lado como postes. Atrás deles vieram pequenos anjos dotados de asas, que também ficaram ao seu lado. Nas redondezas ouvia-se uma melodia maravilhosa proveniente de instrumentos musicais. Rachel sentiu que a sua alma a abandonava, estava prestes a desmaiar. Imediatamente, o marido pegou uma erva do jardim e aproximou do seu nariz. Voltando a si, ela encontrou um dossel feito de pedras preciosas muito brilhantes, de todas as cores do arco-íris. Uma espécie de anjo aproximou-se dela, vindo do dossel. Ela reconheceu o seu filho assassinado, que sorria para ela com muita ternura. Rachel desmaiou pela segunda vez, e novamente o seu marido fê-la cheirar aquela erva. Ela abriu os olhos, e constatou que não estivera enganada. Aquele era o seu filho.

Perguntou-lhe: "Porque nos deixastes, tão pequeno?"

O menino respondeu: "Tudo acontece de acordo com as contas do Criador do Universo. A minha alma já esteve no mundo antes de estar com a nossa família. Mãe, eu havia nascido então numa família muito especial, mas na nossa cidade ocorreram muitas desgraças. Os gentios mataram todos os judeus, e fiquei sózinho. Eu era um bebê de apenas meio ano, e uma mulher gentia acolheu-me e adoptou-me, até ao dia em que os judeus me resgataram para viver com eles. Tornei-me um grande Sábio e estudioso, e vivi o resto da minha vida em calma e paz. Quando parti para este mundo, fui recebido com muita alegria, e elevei-me mais e mais, até chegar a um ponto no qual não mais poderia subir. Por ter mamado durante um ano de uma mulher gentia, decretaram que eu nascesse novamente e mamasse de uma mãe judia. Então nasci de ti, mãe, o que lhe traz um grande mérito. Quando três anos chegaram ao fim, fui trazido de volta ao meu lugar, pois não tenho mais o que fazer naquele mundo coitado."

"Mas, porque morreste de uma forma tão trágica?" - questionou a mãe. "Quando chegou a hora de me despedir deste mundo" - explicou o filho - "uma grande desgraça estava prestes a acontecer na cidade, e todos morreriam, incluindo tu e os meus irmãos. Então, concederam-me a honra de ser o expiador da cidade, e fui assassinado no seu nome, salvando a todos. Por este motivo mereci tanta honra aqui. Ninguém tem permissão de me ver, apenas o pai, no momento em que desejar." O menino riu-se prazerosamente, e afastou-se.

Então, o marido disse: "Viste, que para todas as tuas dúvidas, existem respostas. Afinal, o Criador não cria nenhum mal. Agora, devo voltar para a minha aula" - acrescentou ele, acompanhando-a ao local inicial, ao lado da árvore. "Aqui é muito bom, mas não consigo suportar as suas lágrimas e suspiros. Farias-me um grande favor se começasses a viver com alegria. Ofereceram-te um shiduch respeitável - não o recuses." O seu marido desapareceu, e o homem de barba branca surgiu novamente, acompanhando-a bosque adentro.

Esta história encontra-se nos manuscritos de Rav Chaim Vital zt"l, que a ouviu do seu grande mestre, o Arizal. Ele nos ensinou grandes segredos da Torá, e em especial o assunto de reencarnação. Ele ensinou-nos, que todas as pessoas no mundo são parafusos da grande máquina chamada Criação. D'us aperta ou desatarraxa os parafusos de acordo com a performance da máquina. Ele traz ao mundo almas que tem uma missão a cumprir, e tira do mundo as almas que devem estar em cima. Afinal, este mundo e o mundo vindouro são um só assunto. Aqui em baixo, actua-se com almas e corpos, e lá em cima, apenas com almas. Se víssemos como tudo funciona, não sofreríamos no mundo. Pois no fim dos dias, que está próximo, todas as almas retornarão a este mundo para servir a D'us de corpo e alma unidos. Isto até o estágio em que o corpo elevar-se-á, e tornar-se-á como a alma. Isto acontecerá ao final do sexto milênio, e então o grande Shabat virá ao mundo.

Estas e outras belas explicações encontram-se no sagrado livro Kol Mevasser, em hebraico.