22.3.08

Israel e as vidas civis


Se há uma coisa que os regimes e os movimentos islâmicos radicais, do Irão ao Hezbullah no Libano, ao Hamas em Gaza, têm em comum é o desejo de destruírem o Estado israelita.

A sobrevivência de Israel é a questão crucial da política do Médio Oriente. Se há uma coisa que os regimes e os movimentos islâmicos radicais, do Irão ao Hamas, têm em comum é o desejo de destruírem o Estado israelita. Nunca o aceitaram, não o aceitam, e enquanto não o aceitarem não haverá paz na região. Foi criado um mito, frequentemente repetido, para explicar a rejeição da “entidade sionista”. A versão é mais ou menos assim, e perdoem a crueza da linguagem: viviam os palestinianos muito sossegados no seu “país”, quando, subitamente, começaram a chegar judeus da Europa para ocuparem a sua terra. Foi aí que surgiram os conflitos. Sendo uma explicação fácil para um problema complicado, esta versão convence muitos. É, no entanto, falsa. É verdade que se assistiu a um aumento da chegada de judeus ao território que é hoje Israel após 1945. Mas esse movimento iniciou-se no final do século XIX, nunca parou durante as primeiras décadas do século XX e, desde há séculos sem fim, sempre houve judeus na Palestina. Ou seja, apesar da superioridade numérica dos árabes, os judeus têm argumentos históricos que legitimam a criação do Estado de Israel. Em segundo lugar, não havia nenhum “Estado palestiniano”. Tal como todo o Médio Oriente, a Palestina passou de uma província do Império Otomano a um protectorado de uma potência europeia, neste caso o Reino Unido. Até à segunda metade da década de 1940, não existiam Estados soberanos na região. A criação de Israel, em 1948, correspondeu a um momento de auto-determinação nacional e de libertação colonial e não a um projecto imperial. Tragicamente, os palestinianos e os seus aliados árabes não aproveitaram o momento de libertação, aprovado pelas Nações Unidas; e rejeitaram-no simplesmente porque não aceitaram a auto-determinação dos israelitas.

Recusaram Israel, em primeiro lugar, devido à sua natureza judaica. Os judeus seriam tolerados se estivessem subordinados à maioria árabe e muçulmana, mas nunca seriam aceites como um país independente. A oposição a Israel foi aumentando à medida que a sua natureza liberal-democrática se foi consolidando. Primeiro, no contexto da Guerra Fria, quando os maiores adversários eram os aliados regionais de Moscovo e, depois, com o crescimento do radicalismo islâmico, que considera o secularismo democrático ocidental como a maior ameaça à identidade e ao poder das sociedades muçulmanas. Ao contrário do que muitos dizem, o desejo de destruir o Estado de Israel não resulta de uma suposta natureza colonial, mas da sua identidade política ocidental, a principal virtude que os europeus reconhecem a Israel. Alguns que, no essencial, aceitam este argumento, afirmam que para garantir a sua sobrevivência, os israelitas não precisam de usar o poder de um modo “desproporcionado”, causando milhares de mortos entre os civis. É óbvio que a morte de inocentes é sempre o aspecto mais chocante das guerras, e a revolta sentida é inteiramente justa e compreensível. Mas a gravidade da questão exige que seja tratada de um modo mais sério, que vá além das meras lamentações. O ponto decisivo diz respeito ao valor que uma sociedade dá à vida humana. E nesse aspecto, Israel não deve nada a qualquer sociedade ocidental. A segurança e o bem-estar dos seus cidadãos são sempre prioridades da sua vida política e social. Além disso, no plano externo, as doutrinas militares procuram evitar o uso da força de um modo indiscriminado contra populações civis. Aliás, é um bom exercício comparar-se as políticas israelitas ao modo como os países europeus, quando faziam guerras, lidavam com a questão das vidas dos civis dos seus inimigos. As cautelas israelitas são, no entanto, prejudicadas pelo baixo valor que os seus adversários dão à vida humana. Sociedades e movimentos que promovem entre os seus membros o culto do ataque suicida, que misturam as suas milícias entre as populações civis, e que guardam as suar armas em habitações de famílias comuns, não valorizam certamente a vida humana. Encontramos aqui o elemento mais trágico do que se está a passar no Líbano. Por um lado, muitos dos inimigos de Israel organizam as suas forças de modo a aumentar as mortes civis para depois serem mostradas a todo o mundo. Por outro lado, para garantir a sua segurança, Israel é obrigado a matar civis. E esta escolha trágica tem consequências muito negativas em Israel, como de resto teria com qualquer outra democracia. Dito de um modo mais directo, em primeiro lugar, em circunstâncias idênticas, dificilmente outro país teria um comportamento menos condenável. Em segundo lugar, o facto dos seus inimigos darem pouco valor à vida humana contribui de um modo decisivo para o aumento das baixas civis. Os conflitos a que assistimos obrigam-nos a distinguir entre o sofrimento humano causado pelas mortes de inocentes e as consequências políticas das baixas civis. O que mais impressiona é o facto do sofrimento das mães, dos pais, dos filhos das populações árabes, a que assistimos frequentemente, não transformar o valor da vida humana na prioridade da ordem política dessas sociedades. Como se a morte fosse apenas usada como propaganda sem que a vida se torne no elemento mais sagrado de todos.
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João Marques de Almeida, Director do Instituto de Defesa Nacional