O Shemá, é a nossa declaração de fé (1)
A historiadora Yaffa Eliach conta que, após a Segunda Guerra Mundial, um judeu americano de nome Liberman decidiu resgatar o maior número de crianças judias que haviam sido escondidas em mosteiros e orfanatos durante o conflito. Foi à Europa, visitando mosteiro a mosteiro, orfanato a orfanato e, ao entrar em cada instituição, recitava o Shemá Israel. As crianças que reconheciam as palavras, eram judias.
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Shemá Israel A-do-nai Elokenu A-do-nai Ehad.
Ouve Israel, A-do-nai é o nosso D'us, A-do-nai é Um. Ouve, atentamente, ó Israel, preste atenção, abre totalmente a tua percepção, silenciando completamente a mente, medita sobre o que estiveres a pronunciar, interioriza e absorve a mensagem de tal forma que se torne parte da tua própria essência... D'us é Um e é Único, e Ele é o nosso D'us.Este versículo que inicia uma das mais antigas e importantes orações do judaísmo, o Shemá, é a nossa declaração de fé. Nela é proclamada a própria essência do judaísmo, o que sempre diferenciou os judeus de outros povos: a crença na Unidade e Unicidade de D'us e a lealdade eterna de Israel para com o seu D'us. Shemá Israel foi o que o patriarca Jacob ouviu dos filhos no seu leito de morte. Foram as palavras usadas por Moisés para se dirigir aos judeus no seu último discurso, no deserto.O versículo resume o primeiro e o segundo mandamento do Decálogo; é a primeira oração que a mãe ensina ao seu filho; são as últimas palavras pronunciadas por um judeu antes da morte. Presenciar durante a Neilá, ao término do Yom Kipur, um judeu recitar em voz alta, em uníssono com a sua comunidade, o Shemá Israel, é uma experiência espiritual inigualável. Com as palavras do Shemá nos lábios, muitos judeus enfrentaram as fogueiras da Inquisição e as câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial. Foram as últimas palavras do Rabi Akiva que, preso pelos romanos após a revolta de Bar Kochba, na Judéia, foi cruelmente torturado e executado na praça pública. Segundo o Talmud, ao pronunciar a palavra Ehad, Único, a alma de Rabi Akiva deixou o seu corpo.A força desse versículo é tamanha que, mesmo se um judeu estiver isolado e todos os traços de identidade judaica forem apagados, o Shemá não o abandonará, permanecendo na memória e o mantendo ciente da sua identidade como judeu. Ao ser evocado, uma "mágica" ocorre no subconsciente e o indivíduo se reaproxima do seu povo e da sua fé ancestral. O Midrash ensina-nos que no Sinai, além dos dois milhões de hebreus que haviam saído do Egipto, todas as almas judias, incluindo as futuras gerações, ouviram a Voz Divina declarar "Eu sou A-do-nai, o seu D'us". Todas fizeram parte da aliança eterna entre D'us e Israel. Estes acontecimentos extraordinários estão gravados nas almas de Israel para a eternidade.Apesar de o primeiro versículo (do primeiro parágrafo) ser o mais conhecido, aos referirmos à oração do Shemá falamos também dos dois parágrafos seguintes, também trechos da Torá. Os níveis de análise e entendimento do Shemá são difíceis de enumerar. Cada palavra, cada letra foram alvo de estudo e de reflexão, há milénios, e assim continua sendo. Mas considerando o seu objectivo mais simples, a oração implica afirmações fundamentais para o judaísmo: D'us existe, é Um e Único, não tem corpo, está além do tempo, e devemos dirigir as nossas preces exclusivamente a Ele.O Shemá ensina-nos que devemos amar a D'us, reconhecer e aceitar o Seu reino, a Sua Suprema autoridade e a Sua vontade. Exorta-nos, também, a estudar a Sua palavra, a Torá, e a ensiná-la às futuras gerações. A oração revela-nos que o judaísmo não é simplesmente uma visão conceitual do mundo, nem uma filosofia abstracta, mas implica obrigações éticas e morais, mandamentos que D'us nos ordena e, portanto, devem ser seguidos. A mezuzá, o tefilin - que contêm as palavras do Shemá - e os tsitsit são "sinais" físicos que servem como lembrete da nossa Aliança e das nossas responsabilidades.A leitura do Shemá marca o início e o fim de cada dia. Quando perguntaram ao rabi Levi por que o Shemá deve ser lido todos os dias, respondeu: "Porque os Dez Mandamentos nele estão contidos". A importância da leitura do Shemá pode ser avaliada pelo facto de rabi Yehuda Ha-Nassi iniciar o Talmud com as leis referentes ao Shemá. Ele mesmo, quando preocupado com os seus estudos, cobria os olhos com a mão e, em silêncio, recitava o primeiro versículo (Berachot 13b).A Torá ordena que o Shemá seja recitado duas vezes por dia e a tradição adicionou mais duas - uma antes do Shacharit (reza matinal), a outra à noite, antes de dormir. Segundo o Talmud, o Shemá tem o poder de afastar o mal. Os nossos sábios recomendam que o Shemá seja lido "em qualquer língua que a pessoa entenda", pois é essencial que a mensagem seja compreendida. Para ajudar na concentração, ao recitar o primeiro versículo, cobrem-se os olhos com a mão, pois é a oração na qual existe a obrigatoriedade de kavaná - concentração, devoção interna.
O primeiro parágrafo - (Deuteronómio: 6:4-9):
Shemá Israel A-do-nai Elokenu A-do-nai Ehad.
Ouve ó Israel, A-do-nai é nosso D'us, A-do-nai é Um. (Deut. 6:4)
A nossa profissão de fé não se inicia com as palavras acredite ou veja, mas sim Shemá! Ouve e entenda Israel! "Israel" está dentro de cada um de nós; é a parte que almeja aproximar-se do Divino transcendendo os limites das suas necessidades físicas. E é através desta oração que Israel se conecta com o Divino.Ouve atentamente Israel, D'us é Um e é Único. Às vezes, frente a uma variedade infinita de fenómenos naturais, os homens passam a acreditar em divindades múltiplas. Porém, no judaísmo, a diversidade reflecte os actos de um único D'us cujas manifestações se dão de forma distinta, no mundo. Na Torá, os diferentes nomes Divinos servem para revelar os Seus atributos, os Seus actos e a Sua relação com o homem.O rabino Adin Steinsaltz escreveu sobre os nomes de D'us no seu livro A Rosa de Treze Pétalas: "O Sagrado tem muitos nomes, todos, no entanto, designam apenas diversos aspectos da manifestação Divina no mundo e em especial como são revelados aos seres humanos ". A Unidade Divina, revelada e proclamada no Sinai por todo o Israel, é reafirmada a cada dia no Shemá. E é esta Unidade que une toda a criação. Ensina-nos que amor e justiça, vida e morte, alegria e tristeza, matéria e espírito, finito e infinito, tudo tem uma Única fonte - Yihud Hashem - a Unidade Divina.Segundo o Zohar (1:18), neste primeiro versículo são mencionados três Nomes Divinos, que representam a unidade dos três poderes Divinos: amor misericordioso, justiça e beleza."Shemá Israel Y-H-V-H Elokenu". No texto da Torá, o primeiro Nome que aparece é o tetragrama à cuja pronúncia perdemos o direito após a queda do Segundo Templo. Na época do Templo, só era pronunciado pelo Cohen Gadol (Sumo Sacerdote), em Yom Kipur. Actualmente, é lido como se fosse escrito A-do-nai, quando usado liturgicamente. Noutras situações usa-se o termo HaShem (que significa literalmente O Nome). Na Torá, A-do-nai é o Nome de D'us utilizado quando os Seus actos revelam o amor, a compaixão e a misericórdia que Ele mostra para com Suas criaturas. É o Nome usado na sua relação com os Filhos de Israel. Elokim (D'us), também usado, revela o Seu aspecto de Justiça e Lei. Na invocação final, declaramos Y-H-V-H Ehad, ou seja, D'us é Único.
Israel como testemunha
No primeiro versículo do Shemá declaramos não somente em que acreditamos, mas por que acreditamos. No Sinai, Moisés convocou todo o Israel para ouvir a proclamação da Unidade Divina. Após presenciar os eventos milagrosos do Êxodo e da Revelação do Sinai, não existia lugar para dúvidas entre os judeus, no deserto. As gerações vindouras passaram a depender do testemunho transmitido de pai para filho para que o legado fosse mantido vivo. Por isto, a afirmação da Unidade Divina não é individual. Cada judeu é visto como um elo na corrente da eternidade. Ao recitar o Shemá, passa a integrar Israel, torna-se parte da corrente milenar de fé e lealdade judaica em relação ao D'us dos nossos pais. Testemunha perante todo o Israel que D'us é Um, é o D'us de toda a humanidade e que ele é a testemunha viva desta verdade absoluta.Este conceito de que o povo judeu é testemunha é tradicionalmente transmitido pelos escribas de forma especial: o ain na palavra Shemá e o dalet da palavra ehad tem um tamanho maior de que as outras letras que compõem o versículo e ao serem combinadas formam em hebraico a palavra hebraica ed, testemunha.
Servir a D'us
O primeiro parágrafo do Shemá expressa a submissão de Israel à soberania Divina e revela-nos as formas pelas quais devemos servir a D'us. Segundo o Zohar, este primeiro parágrafo reflecte inteiramente o nosso amor a D'us. Como este amor envolve cada judeu individualmente, está escrito numa linguagem pessoal e só contém mandamentos positivos.Devemos primeiramente amar a D'us com todo o nosso coração, toda a nossa alma e todas as nossas posses. Segundo o Maharal de Praga, o amor a D'us exige que nos devotemos a Ele totalmente, com cada parte de nosso ser e com toda a riqueza de nossa existência. Pois tudo aquilo que somos e temos devemos exclusivamente a Ele e à Sua Infinita bondade. Devemos estudar a Sua palavra como se nos fosse dada "neste dia", para que "fique no nosso coração". É obrigação de todo o judeu - pobre, rico, jovem ou velho - estudar a Torá para melhor aprender a conhecer D'us. E para que a nossa herança não se perca, temos o dever de ensiná-la "diligentemente" aos nossos filhos.O primeiro parágrafo termina com D'us dando a nós, judeus, um "lembrete" da palavra Divina: o tefilin e a mezuzá. O tefilin, colocado todos os dias, com excepção do Shabat e dias de festa, consiste de duas partes - uma para a mão e a outra para a cabeça. No seu interior, há rolos de pergaminho onde estão inscritas as palavras do Shemá. Segundo o rabino Raphael Hirsch, o tefilin é o símbolo da uma renovação diária do "pacto de amor " entre D'us e Israel, pois está escrito que tanto a cabeça como a mão, o corpo e a alma - tudo deve ser dedicado a este amor. A mezuzá, considerada a guardiã do lar judaico, tem o mesmo significado em relação à casa, à família e, por extensão, à comunidade.
Bendito seja... eternidade
Após o primeiro versículo, há uma frase inexistente no texto original da Torá, que é recitada desde a época talmúdica em voz baixa. A nossa tradição oral a atribui ao patriarca Jacob ou Israel, como passou a ser chamado. Ao ouvir os seus filhos declarar o "Shemá Israel... Ehad", assegurando-lhe, no seu leito de morte, que a crença em um Único D'us não seria esquecida, ele respondeu: "Bendito seja o nome da glória... eternidade".Segundo outra tradição, Moisés ouviu esta bênção dos anjos, no Monte Sinai, no momento em que recebeu a Torá e a trouxe para o povo de Israel. Porém, por ser uma oração dos anjos, é recitada em voz baixa, o ano inteiro. Apenas em Yom Kipur, quando Israel se assemelha a um anjo, esta frase é dita em voz alta.
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