8.11.06

A mulher no Judaísmo (3)

“Pelo mérito das mulheres de fé, o mundo inteiro será redimido da sua escuridão.”

2. Primeiro as mulheres
Mesmo na época actual, as mulheres aceitam graciosamente a regra geral de "Primeiro as Damas", seja ao abandonar um navio que está a afundar ou quando passam por uma porta. Entendida geralmente como uma concessão ao sexo mais fraco pelo mais forte, a regra na verdade está baseada num argumento muito diferente, pelo menos na tradição judaica.Quando D'us instruiu Moshê para preparar o povo de Israel para receber a Torá no Monte Sinai há cerca de 3313 anos, Ele disse: "Fala à casa de Yaacov, e diz aos Filhos de Israel" (Shemot 19:3). A "casa de Yaacov", explicam os nossos Sábios, são as mulheres; "os Filhos de Israel", os homens. Por outras palavras, fale primeiro com as damas.Até então, a regra era "primeiro os homens". Adão (Adam), como sabemos, foi criado antes de Chava (Eva). Nôach e os seus filhos entraram na arca em primeiro lugar, seguido pelas suas esposas – pelo menos esta é a ordem em que estão relacionados em Bereshit 7:13 (uma situação inversa à do "navio que está afundando", se me permite).Quando Yaacov viajou com a sua família, os homens iam à frente e as mulheres os seguiam (Bereshit 31:17), ao passo que Essav colocou as mulheres adiante dos homens; os Sábios notaram essa diferença e a vêem como uma indicação da superioridade moral de Yaacov sobre o seu irmão hedonista.Então, por que D'us deu a Torá primeiro às mulheres?
O Midrash oferece diversas explicações. Para começar, as mulheres são mais religiosas que os homens (certas coisas não mudaram em todos esses séculos); consiga que elas aceitem a Torá, e os homens farão o mesmo (outra coisa que não mudou).Segundo o Rabi Tachlifa de Cesaréia, o contrário é o correcto – as mulheres são as rebeldes, portanto precisam de ser conquistadas primeiro: "D'us disse a Si Mesmo: Quando Eu criei o mundo, ordenei primeiro a Adam, e somente então Eva foi ordenada, com o resultado que ela transgrediu e perturbou o mundo. Se Eu não convocar primeiro as mulheres, elas anularão a Torá."O ensinamento chassídico vai mais fundo e encontra a explicação na essência da masculinidade e da feminilidade. O homem deriva da "linha de luz" (kav) que penetra o vácuo (makom panui) formado por D'us para criar o mundo. Porém o makom panui não é um "vácuo" absoluto – um resíduo da Divina luz ficou para trás, formando um éter invisível de Divindade que permeia e sublinha a nossa existência. É a partir desse "resíduo" que deriva o componente feminino da Criação.Portanto o homem é um conquistador; o seu papel na Criação é banir a escuridão terrena e trazer a luz dos Céus. A mulher está relacionada com aquilo que é, não aquilo que deve ser feito, encontrando a Divindade dentro do mundo, em vez de importá-la de fora.Ambos são integrantes do plano do Criador: a nossa missão na vida é trazer D'us ao mundo (o papel masculino) e tornar o mundo numa morada para D'us (a especialidade da mulher); banir as trevas (masculino) e revelar a luz implícita dentro da escuridão (feminino).Durante os primeiros 24 séculos da História, a humanidade teve muito trabalho em combater as trevas. Portanto o componente masculino dominava. Mas então chegou o dia em que D'us, ansiando pela morada que Ele desejou quando fez o mundo, preparou-se para Se revelar no topo de uma montanha no Deserto do Sinai e transmitir ao Seu povo escolhido uma Torá delineando os seus planos para a construção da Sua casa. O homem ainda terá de batalhar, mas todas as suas batalhas daqui em diante serão baseadas no princípio de que, em baixo disso tudo, o mundo é um lugar Divino.Está na hora de ter uma palavrinha com as senhoras, disse D'us a Moshê.


3. Que não me fez mulher…
Entre as inúmeras Bênçãos Matinais, Brachot Hashachar, uma delas é pronunciada apenas pelos homens e gera muita polémica e interpretações equivocadas. Como as demais brachot, ela possui a mesma estrutura: "Bendito seja D’us, Rei do Universo, que …", "…SheLo Assani ishá"… "que não me fez mulher". Pronto! Há mulheres que ficam indignadas, sentindo-se ofendidas, até ultrajadas, e homens constrangidos com tal declaração.No entanto, não devemos nos impressionar ou sermos levados pelas aparências ou por interpretações pessoais. Qualquer um familiarizado com a alta estima na qual a mulher judia é tida na Torá e com o lugar o qual ocupa na vida judaica, não será ingénuo a ponto de pensar que esta bênção reflecte algo negativo sobre a feminilidade judaica. Os mandamentos possuem um sentido mais profundo.Durante a era da profecia houve sete profetisas mencionadas pelo nome no Tanach, e nota-se na Torá que Sara foi, em certos aspectos, até superior a Avraham, pois D'us disse a Avraham: "Tudo o que Sara te disser, ouve-a." Sem mencionar outros fatos ocorridos em nossa história que engrandecem e colocam a mulher em um nível superior e ímpar na vida judaica. Por natureza, a tarefa do homem é ser provedor, enquanto a mulher tem que dividir seu dia entre administrando a vida do lar, educação de seus filhos, e de toda a família com paciência e extrema competência, com todas as qualidades que a Divina Providência tão generosamente lhe conferiu. Hoje aliada ao exercício da vida profissional, para muitas, exige ainda mais disciplina e perfeita estratégia para que não haja falhas em seu planeamento; e ela já se cobra muito de si mesma. A Torá, justamente por este motivo, eximiu a mulher judia da obrigação de cumprir certas mitsvot.Apesar da mulher judia estar igualmente obrigada, como o homem, a cumprir todas as proibições da Torá, os mandamentos proibitivos (e estes são a maioria - 365 "não faças"para 248 "faça"). Entretanto, no que se refere aos mandamentos positivos, a mulher judia está isenta do cumprimento de alguns deles (de modo algum, não todos), principalmente os que têm um factor tempo ou limite, em consideração aos seus importantes deveres conjugais e maternais, aos quais a Torá dá precedência. Neste aspecto, portanto, a mulher judia é antes "privilegiada".Entretanto, o homem judeu, a quem não foram concedidos os privilégios especiais, tem a seu favor a oportunidade de estar estreitar seu relacionamento com D'us mais frequentemente pelo cumprimento daquelas mitsvot das quais a mulher está isenta. Esta não é uma compensação pequena e é por esta razão - pela oportunidade de servir a D'us com estes preceitos adicionais - que o homem recita a bênção "que não me fez mulher".Sob o ângulo feminino, toda mulher judia deve estar consciente de ter sido dotada de uma maior sensibilidade que permite estabelecer uma conexão com D’us de forma directa e profunda. Sob este prisma, sua natureza é mais uma vantagem, um ponto a seu favor. O fato de D’us tê-la isentado de certas tarefas mostra todo apreço que Ele dedica ao seu papel essencial dentro do povo judeu e na garantia de sua continuidade.

Velas, Chalá e Taharat Hamishpachá
"E Yitschac a levou [Rivca] à tenda de Sarah, e tomou a Rivca e ela foi sua mulher"
Bereshit 24:67

Onkelos interpretou esta frase no sentido de que as acções de Rivca foram tão boas e tão íntegras como as de Sarah, sua sogra.Segundo a interpretação de Rashi, Rivca assumiu as características de Sarah em relação a três mitsvot fundamentais. Em primeiro lugar, quando acendiam as velas na sexta-feira à tarde em honra ao Shabat, as velas não se extinguiam no período normal de tempo, mas permaneciam milagrosamente acesas desde a tarde de sexta-feira até a tarde da sexta-feira seguinte. Em segundo lugar, a chalá que assava para o Shabat também se mantinha milagrosamente fresca durante toda a semana. Em terceiro lugar, devido a sua meticulosa observância de Taharat Hamishpachá (Leis de Pureza Familiar), a Divina Presença pairava sobre sua tenda na forma de uma nuvem especial (Gur Ariê).Por que Rashi apresentou as mitsvot nesta ordem: velas, chalá e depois Taharat Hamishpachá?Acender as velas do Shabat é a primeira mitsvá feminina que se confia a uma menina. Rivca foi levada pela primeira vez à tenda de Sarah e acendeu ali as velas com a idade de três anos. Os eruditos da Torá deduziram portanto que três anos é a idade, desde tempos imemoriais, em que as meninas começam a acender as velas em honra ao Shabat. A chalá é uma referência à mitsvá de separar e queimar uma pequena quantidade de massa ao assar o pão. Esta mitsvá também é ensinada às meninas se, e quando, começam a assar, obviamente algum tempo depois de completarem três anos e está ligada com a mitsvá de cashrut.Taharat Hamishpachá se menciona em terceiro lugar por que esta é, cronologicamente, a última das mitsvot especialmente encomendadas à mulher. Na noite anterior ao casamento a mulher judia tem a mitsvá de submergir no micvê. Deste modo, santifica seu matrimónio desde o início, como aprendemos com os exemplos de Sarah e Rivca, pois cada uma destas três mitsvot traz grandes bênçãos ao lar judaico.Quando uma mulher não está presente ou não se encontra em condições de fazê-lo, o homem deve cumprir a mitsvá de acender as velas e separar a massa. Portanto, devemos supor que Avraham, que observava a Torá em todos os seus detalhes, acendeu as velas durante os três anos posteriores ao falecimento de Sarah, até que Rivca foi levada à sua tenda. No entanto, o texto menciona unicamente que a bênção retornou somente quando Rivca acendeu as velas, embora esta tivesse apenas três anos de idade. Isto nos ensina que as mulheres e as meninas têm o poder inerente de fazer com que a luz e a paz espirituais se manifestem no mundo físico.O casamento e os Dez MandamentosCom a entrega dos Dez Mandamentos aprendemos importantes ligações entre a Torá, a mulher judia e o casamento em geral. D’us entregou as tábuas a Moshê "quando terminou de falar com este" (Shemot 31:18). A palavra hebraica kejalotô (quando ele termina) se relaciona etimologicamente com a palavra calá (noiva). Nossos Sábios ampliam e desenvolvem este conceito de forma muito bonita: as tábuas foram escritas pelo dedo de D’us. Do mesmo modo se decreta no céu que um casal em particular se una em matrimônio. Havia duas tábuas separadas, mas estas estavam unidas por um inseparável vínculo de pedra. Também eram idênticas em tamanho e formato. No casamento, duas pessoas separadas se unem como iguais. Elas fundem o afecto que sentem uma pela outra e se unem. As tábuas eram feitas de uma substância material – a pedra – mas a inscrição era Divina, uma escritura Celestial (gravada na pedra). O casamento significa união física, mas esta união deve conter também os elementos espirituais do respeito, afecto, lealdade e devoção. Estes são atributos que aliviam as responsabilidades contraídas no casamento, assim como as letras Celestiais faziam com que as tábuas ficassem leves para que Moshê as pudesse carregar. Segundo a tradição, Moshê enriqueceu devido a uns pedaços de pedra preciosa que havia encontrado. D’us ordenou que estas pedras pertencessem a Moshê. Do mesmo modo, nossos Sábios nos ensinaram que as riquezas e o êxito material, a paz e a luz no lar estão directamente ligadas com as mitsvot da mulher e o poder que ela tem de atrair bênçãos ao mundo e a sua família, em particular. Assim como as duas tábuas de D’us nunca se dividiram, mas permaneceram juntas, o casal deve resolver enfrentar o futuro juntos, com esperança, coragem e determinação para conseguir o êxito. Assim como os mandamentos de D’us preencheram as tábuas, nossa vida familiar deve abraçar a mensagem Divina. Marido e mulher devem dedicar sua vida conjugal aos princípios de nossa Torá e prestar atenção especial às leis da pureza familiar, Taharat Hamishpachá. Tendo D’us como parceiro neste sagrado projecto, todo casamento tem o potencial pleno e a segurança quase absoluta de conseguir êxito e satisfação completas e duradouras.