22.2.09

UTILIZAR A CONSTRUÇÃO DA MANEIRA CORRECTA



"Um grupo de investidores encomendou a um famoso arquitecto o projecto de um grande edifício. O prédio foi construído visando o bem estar de cada família, e cada apartamento tinha ambientes grandes e largos, com quartos de dormir, sala, cozinha, casas de banho com armários embutidos e todos os outros detalhes necessários para satisfazer os futuros moradores. O arquitecto investiu muito tempo no projecto para que nada faltasse e todas as necessidades dos futuros moradores fossem preenchidas. Mas quando o edifício já estava quase pronto e já era visto como um modelo de edifício residencial, os investidores mudaram de ideia e decidiram dar ao edifício uma nova utilização. Ao invés de utilizá-lo como um edifício residencial, eles decidiram que a construção deveria ser transformada num hospital.

Obviamente que foram necessárias muitas modificações no edifício para adequá-lo à sua nova utilização. As paredes foram derrubadas, formando grandes ambientes. As cozinhas foram transformadas em leitos para os doentes. Os quartos de dormir foram transformados em salas de atendimento e cirurgia, e as salas se transformaram em enfermarias. Finalmente, após um grande esforço de adaptação, o hospital foi inaugurado. Porém, apesar de todo o investimento feito para adequar o edifício residencial às novas necessidades, aquele prédio estava longe de atingir as verdadeiras necessidades de um hospital. Faltavam detalhes básicos que obviamente teriam sido levados em consideração num projecto inicial. O facto do edifício ter sido totalmente projectado para um uso residencial foi uma terrível barreira para que qualquer outro tipo de utilização fosse realmente satisfatória"

O livro "Lekach Tov" ensina-nos, que o mundo e o ser humano foram criados especialmente para que as pessoas pudessem utilizar todas as ferramentas do mundo material para se conectarem com os mundos espirituais e se elevarem. E por mais que tentemos modificar a utilização original deste mundo, investindo todas as nossas forças na busca de prazeres materiais, nunca ficaremos satisfeitos com esta forma de utilização.

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A Parashá da semana passada, Itró, terminou com a entrega da Torá no Monte Sinai. E a Parashá desta semana, Mishpatim, começa por trazer diversas leis "Bein Adam Lehaveiro" (entre o homem e o seu semelhante), ensinando-nos como devemos viver em sociedade de forma a construir um ambiente saudável. Mas algo nos chama a atenção nas primeiras palavras da Parashá. Porque está escrito "E estas são as leis", e não está escrito apenas "Estas são as leis"?

Explica Rashi, comentarista da Torá, que este "e" adicional foi colocado de forma a conectar a Parashá desta semana com a Parashá da semana passada. Da mesma forma que a Parashá passada falava sobre a entrega da Torá no Monte Sinai, também todas as leis sociais que estão contidas na Parashá desta semana também foram entregues por D'us no Monte Sinai. Rashi explica que a Torá está a ressaltar a diferença entre as leis Divinas e as leis criadas pelos seres humanos. As leis humanistas são fundamentadas no senso comum das pessoas, e portanto são influenciadas pelo local, pela época e pelas condições de vida da sociedade onde as leis são elaboradas. Por não serem baseadas em nada permanente, muitas vezes vigoram por algum tempo e depois são descartadas. Portanto, muitas vezes falta base para estas leis e ocorrem muitas contradições. Um dos exemplos que actualmente mais nos salta aos olhos é o aborto. Há 100 anos o aborto era, em muitos países, punido com pena de morte. Actualmente a legalização do aborto ganha cada vez mais força em todo o mundo, apesar de cada vez mais a ciência provar que o feto já é uma vida e que aos 40 dias já tem até mesmo ondas cerebrais. O valor da vida humana mudou nestes últimos 100 anos? Será que é válido acabar com uma vida apenas porque a mulher grávida acha que ainda precisa investir mais na sua carreira antes de ter filhos? Com valores humanistas, a sociedade pode decidir o que é vida e o que não é.

Já a Torá não é assim, as suas leis foram escritas por D'us, quem verdadeiramente sabe o que é uma vida e o que não é. O aborto há 100 anos era condenado pela Torá como uma atitude tão grave quanto o assassinato, pois aos 40 dias de vida a alma já entra no feto, e mesmo antes disso o feto já é um potencial de vida que não pode ser descartado, muito menos por motivos banais. Actualmente o valor de uma vida não mudou, e o aborto continua sendo considerado um assassinato. E mesmo que passem mais 1000 anos e que todas as condições mudem, o valor de uma vida nunca vai mudar aos olhos de D'us.

Outra grande diferença entre as leis humanistas e as leis da Torá é que os seres humanos tendem a defender sempre os seus direitos ao invés de se preocuparem com os seus deveres. É muito comum ver grupos na defesa dos seus direitos. O grande problema é que quando todos têm apenas direitos, muitas vezes o direito de um grupo invade o direito do outro grupo. Quando um jornalista demanda os seus direitos de liberdade de expressão, ele invade o direito das outras pessoas de manterem a sua vida particular. Quando um homossexual luta pelo direito de poder expressar o seu homossexualismo em público, ele invade o direito de um pai que não quer expôr o seu filho pequeno à cena de dois homens beijando-se num parque público. Quando todos se preocupam apenas com os seus direitos, um tende a querer engolir os direitos dos outros. Quem está certo? Quem merece mais?

Já a visão da Torá é que o ser humano tem deveres, não direitos. Assim, quando cada um cumpre o seu propósito e segue as regras impostas por D'us, ele garante os direitos dos outros e consequentemente os seus próprios direitos. O melhor exemplo disso é o que ocorre no trânsito, onde cada um cumpre os seus deveres como motoristas, observando leis de trânsito tais como semáforos e o sentido de direcção, e com isso adquirem o direito de se locomoverem pela cidade com segurança e rapidez. Mas se cada carro tivesse o direito de fazer o que bem entendesse, certamente o trânsito seria um grande caos.

As leis da Torá não dependem da decisão de seres humanos, mas justamente o contrário ocorre, o ser humano foi criado pelas leis da Torá, como está escrito "D'us olhou a Torá e criou o mundo". O Zohar (Cabalá) nos ensina que o ser humano tem 613 partes no seu corpo material (entre órgãos, ossos e juntas) e 613 partes na sua alma, justamente o mesmo número de Mitzvót da Torá. Fomos criados, tanto o nosso corpo quanto a nossa alma, de acordo com as Mitzvót. A nossa satisfação e o nosso preenchimento está relacionado com o nosso cumprimento das Mitzvót.

É por isso que, apesar de muitas vezes pensarmos que viver de acordo com as Mitzvót da Torá é muito pesado e difícil, a verdade é justamente o contrário. Nunca o mundo viveu numa abundância e uma tranquilidade sócio-económica como neste século. E ao mesmo tempo nunca o ser humano foi tão infeliz e depressivo como agora. Moramos em apartamentos luxuosos, andamos em carros modernos e equipados, vivemos com conforto e comodidade, e mesmo assim a grande maioria das pessoas não se sente feliz. Porquê? Pois não foi para isso que o mundo e o ser humano foram construídos, e por mais que possamos tentar buscar felicidade no preenchimento material, estaremos a utilizar a nossa construção original para outro propósito. Já em sociedades mais observantes de Mitzvót vemos que as pessoas que utilizam o mundo material apenas como um meio para se conectar ao espiritual estão muito mais satisfeitas e necessitam de muito menos para se sentirem bem e preenchidas.

Da mesma forma que um edifício residencial é construído para atender as necessidades de pessoas que utilizarão o edifício como moradia, e qualquer outro uso para o edifício será certamente longe do ideal, assim também ocorre com o nosso corpo e alma. Enquanto estivermos a viver a nossa vida voltada para a conexão espiritual, estaremos realmente a preenchermo-nos espiritualmente. Mas se tentarmos ser "espertinhos" e tivermos uma vida apenas pelo preenchimento material, estaremos sujeitos a terminar como Curt Cobain, Heath Ledger e outros artistas famosos que, apesar de terem tudo, ao mesmo tempo nunca tiveram nada.

"Eu tento, eu tento e eu tento, mas eu não tenho satisfação..." (Mick Jager - Rolling Stones)