15.12.07

A TIJOLADA


"Ninguém notava aquele homem solitário em cima do prédio. Por mais que ele chamasse, as pessoas lá embaixo, preocupadas com os seus próprios problemas, não conseguiam escutá-lo. Foi então que ele teve uma idéia: pegar uma nota de dinheiro e deitá-la para baixo. Certamente a pessoa que visse o dinheiro a cair olharia com curiosidade e perceberia que havia alguém lá em cima. E assim ele fez, atirando com carinho uma nota de 10 euros. Porém, uma pessoa que passava por ali naquele momento viu a nota caindo, pegou-a e continuou o seu caminho, sem ao menos olhar para os lados. O homem ficou entristecido pelo ocorrido, mas não desistiu. Ele pensou: "Talvez a nota de 10 euros seja muito pouco, vou tentar com uma nota de 50 euros". Porém, para o seu desespero, mais uma vez uma pessoa que ali passava pegou o dinheiro sem olhar para cima, para ver de onde tinha vindo a nota. Cada vez mais triste, ele pensou: "talvez 50 reais também seja pouco, vou tentar com 100 euros". Pela terceira vez, a pessoa que passava simplesmente pegou a nota, sem se preocupar de onde ela tinha vindo. Finalmente, o homem teve uma idéia para fazer com que as pessoas olhassem para cima e vissem que ele estava lá: atirar um tijolo. E assim ele fez. O tijolo caiu, arrebentando um carro que estava a passar na rua. Imediatamente o motorista desceu do carro, furioso, e olhou para cima para ver de onde havia vindo o tijolo. Agora sim, o homem havia conseguido o que queria: chamar a atenção dos que estavam embaixo, para que eles parassem, apenas por alguns momentos, e percebessem que havia alguém lá em cima"

E nós, percebemos que há Alguém lá em cima através das milhares de coisas boas que recebemos todos os dias, ou apenas quando levamos uma boa "tijolada"?

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Na Parashá desta semana, Vayigash, Yossef termina o suspense e revela-se aos seus irmãos. E finalmente Yaacov reencontra o seu filho Yossef, depois de passar 22 anos enlutado, pensando que ele havia morrido. Assim a Torá descreve o emocionante reencontro: "E Yossef aprontou a sua carruagem e subiu para encontrar o seu pai Israel (Yaacov) em Goshen, e apareceu diante dele, e atirou-se sobre o seu pescoço, e chorou muito sobre o seu pescoço" (Bereishit 46:29). Estranhamento o versículo somente descreve a reação de Yossef, mas não escreve que Yaacov também chorou no reencontro com Yossef. Rashi, comentarista da Torá, nos esclarece que realmente Yaacov não abraçou Yossef nem chorou no reencontro, pois neste momento ele estava recitando o "Shemá Israel". Mas aquele era o momento de recitar o "Shemá Israel"? Após 22 anos longe de Yossef, por que primeiro Yacov não o abraçou e chorou, e somente depois recitou o "Shemá Israel"?
Uma das perguntas que mais nos incomoda é o porquê dos sofrimentos.
Como pode um D'us de bondade infinita nos causar dor e sofrimento? O judaísmo, que tem resposta para todas as perguntas, ensina-nos que D'us nos manda os sofrimentos como uma forma de nos despertar, de nos trazer de volta para Ele. Como um pai, que quando vê o seu filho pequeno em perigo, querendo atravessar a rua e correndo o risco de morrer atropelado, nos avisa por amor, para salvar a sua vida. Mas porque D'us não nos desperta com coisas boas? Porque precisa de ser rude, e não uma bondade?
A resposta está no próprio "Shemá Israel", que recitamos duas vezes por dia, e assim dizemos: "...e vocês vão comer e se fartar. E cuidem-se, para que os seus corações não vos enganem, e vocês se desviem e sirvam outros deuses e se curvem diante deles...". Recebemos bondades de D'us 24 horas por dia, pois cada respiração é um milagre, é um presente. E quando temos alegrias ainda maiores e mais especiais, como um reencontro ou uma festa, deveríamos utilizar esta energia para agradecer e nos conectar com o Criador, que nos proporcionou este momento bom. Porém a natureza do ser humano é fazer o contrário, ignorar que todas as bondades vieram de D'us, e nos afastar Dele justamente nestes momentos. Portanto, se não despertamos com as milhares de bondades que Ele nos faz, às vezes é necessário uma tijolada. Pois para agradecer não nos lembramos Dele, mas para reclamar Dele, ninguém esquece.

Explica o Rav Yaacov Kanievsky, mais conhecido como Steipler, que quando Yaacov reencontrou Yossef e viu que estava bem, tanto fisicamente quanto espiritualmente, a emoção e a alegria eram tão fortes que ele quis canalizar esta energia para se conectar ainda mais com o Criador, e por isso imediatamente recitou o Shemá Israel. Era uma forma de reconhecimento e agradecimento por aquele momento maravilhoso que ele estava a passar na vida. Um dos exemplos mais fortes do quanto estamos longe do nível dos nossos patriarcas são as actuais festas de Bar Mitzvá. O Bar Mitzvá, a maioridade religiosa dos judeus, que passam a ser considerados responsáveis por todos os seus actos, é um momento de grande alegria para toda a família. Esta energia deveria ser canalizada para a conexão com o Criador, para que o jovem judeu comece a sua nova vida conectado espiritualmente. Mas infelizmente vemos justamente o contrário, o Bar Mitzvá transformou-se em "Mitzvá Bar", isto é, o mais importante é a festa, o evento social, mostrar aos outros dinheiro e poder, enquanto a Aliá na Torá (quando o jovem é chamado para ler um trecho da Torá) é apenas uma parte chata e obrigatória que temos que fazer antes da festa.
A solução é prestar mais atenção em quantas coisas boas temos na vida, e encher o coração de alegria por tudo o que temos. Afinal, um dia todos olharemos para cima. Que seja através das bondades, e não das tijoladas.

Rav. Efraim Birbojm