3.12.07

FELIZ FESTA DE CHANUCÁ - 5768

A Dinastia dos Hasmoneus

Jane Bichmacher de Glasman*

Quando o mundo antigo foi conquistado por Alexandre (332 a.e.c), Israel continuava a ser terra judaica e Jerusalém seu centro. Quando os judeus foram proibidos de praticar o judaísmo e o Templo foi profanado, como parte das tentativas gregas de impor a cultura e os costumes helenísticos para toda a população, desencadeou-se uma revolta (166 a.e.c) liderada por Matatias (Matityahu), da dinastia sacerdotal dos Hasmoneus, e depois de sua morte, por seu filho, Judá, o Macabeu.

Os judeus entraram em Jerusalém e purificaram o Templo (164 a.e.c), eventos comemorados até hoje na festa de Chanucá. Após a inauguração do Templo a luta continuou. Judá e seus irmãos Jônatas e Simão revogaram os éditos de Antíoco, proclamando a Judéia um estado independente. Simão se tornou o primeiro Príncipe, instituindo a dinastia de Hasmoneus. Após suas novas vitórias (142 a.e.c), os selêucidas restauraram a autonomia da Judéia (como era então chamada Israel) e, com o colapso do reino selêucida (129 a.e.c), a independência judaica foi reconquistada.

Sob a dinastia dos Hasmoneus, que durou cerca de 80 anos, as fronteiras do reino eram muito semelhantes às do tempo do Rei Salomão; o regime atingiu consolidação política e a vida judaica floresceu. João Hircano I iniciou uma série de conquistas, destinadas a aumentar o poder do país. Estas foram acompanhadas da conversão forçada dos povos dominados ao judaísmo, para criar um espírito nacionalista forte e motivar o povo à defesa de sua independência.

No tempo do Rei Alexandre Yanai o reino estendia-se além do Rio Jordão no leste, até o Mar Mediterrâneo no oeste, ao Líbano no norte e Rafia no sul. Os Hasmoneus promoveram o desenvolvimento do comércio e da manufatura, aproveitando as estradas e portos que faziam de Israel um entreposto obrigatório entre o Ocidente e o Oriente. Ruínas arqueológicas mostram a existência de postos alfandegários e sinagogas desde Acco até o Golfo Pérsico, estabelecendo uma rota comercial para a Índia e a China.

A importância dada ao comércio prejudicou a agricultura. O trigo da Palestina não podia competir com o trigo mais barato, importado do Egito (produzido por escravos que não recebiam salários, numa terra mais fértil por processos avançados de irrigação). A classe de pequenos proprietários, que constituíra sempre a espinha dorsal do país e que estivera à frente na luta dos Macabeus, foi reduzida à penúria. Alguns comerciantes ricos compraram grande parte das terras, gerando o surgimento de uma classe de grandes latifundiários e uma de mendigos e desempregados, que iam para Jerusalém e, na maior parte das vezes, não conseguiam trabalho. Este panorama é muito semelhante ao que se nota em Roma no mesmo período.

Já no reinado de João Hircano, a opinião popular se dividiu a respeito da conveniência da política dos Hasmoneus. Formaram-se três grupos distintos, cada qual com suas características sociais, religiosas e políticas: os saduceus, os fariseus e os essênios. A verdadeira luta travou-se entre fariseus e saduceus, já que os essênios não eram ativos na política. Atingiu o auge com o governo de Alexandre Yanai, entre 100 e 75 a.e.c. Ele era também Sumo Sacerdote, mas seu comportamento despertou desprezo dos fariseus, que o ridicularizaram jogando etroguim sobre ele. Coube à sua esposa, a rainha Salomé Alexandra, que o sucedeu no trono, chamar os fariseus ao governo, nomeando seu líder para o cargo de primeiro-ministro. Como uma mulher não podia ser Sumo Sacerdote, ela designou seu filho Hircano para a função. Cumpria-se, assim, uma exigência dos fariseus: a separação entre o poder religioso e o político.

Durante o governo de Salomé, foi promulgada uma Lei Escolar que obrigava todo judeu a aprender a ler e escrever; em cada aldeia e cidade, deveria haver uma escola elementar. Esta lei foi fator distintivo do desenvolvimento do povo judeu, elevando seu nível cultural, mesmo quando os demais povos regrediam culturalmente, como na Europa, na Idadedia. A morte de Salomé Alexandra desencadeou uma crise sucessória; os saduceus apoiavam seu filho Aristóbulo II e os fariseus o Sumo Sacerdote Hircano II. Os saduceus venceram, pois Hircano II, pela própria lei dos fariseus, não podia ser ao mesmo tempo rei e sacerdote. Hircano, porém, aconselhado por um edomita chamado Antipater, não quis desistir de suas pretensões.

Quando os romanos sucederam os selêucidas como a grande potência na região, concederam autoridade limitada ao rei Hircano II, sob o poder do governador romano de Damasco. Os judeus não aceitaram de boa vontade o novo regime e os anos seguintes viram freqüentes insurreições. A última revolta para restaurar a glória da dinastia dos Hasmoneus foi tentada pelo rei Matatias Antígono (40 a.e.c). Sua derrota e morte três anos depois nas mãos dos romanos significaram o fim do governo hasmoneu e o começo do domínio romano.

Não posso concluir sem uma observação sobre helenismo e judaísmo, termos que surgiram no período. Em meados do século XIX, o historiador alemão Droysen definiu a época helenística e o próprio termo Hellenismus, que passou a significar

a fusão de culturas que se seguiu às conquistas de Alexandre. Noção que os antigos não reconheceriam em seu tempo embora o verbo hellenízein fosse usado por Aristóteles para se referir ao domínio da língua grega e o próprio termo hellenismós com o mesmo sentido seja atribuído a Teofrastes, discípulo do filósofo. O uso mais genérico do termo para se referir à cultura e costumes gregos ocorre pela primeira vez no segundo livro dos Macabeus, onde é afirmado que a construção do ginásio em Jerusalém pelo sumo sacerdote Jasão levou a ‘um extremo de helenismo’, como algo estranho ao Judaísmo.

Não por acaso, o primeiro registro da palavra ioudaismós também se encontra no mesmo livro. O termo se refere a uma cultura e a um modo de vida e, dentro do texto representa o contraponto da grega. Antes disso, ioudaioi significava habitante da Judéia, relativo à etnia. Os judeus na Diáspora recebiam também a designação ioudaios, identificados como um grupo étnico que se mantinha unido e reproduzia seus costumes ancestrais. Embora o termo Judaísmo tenha sido cunhado no período da dinastia dos hasmoneus, como modo de vida já estava estabelecido muito antes. O Judaísmo, como cultura ou como religião, foi ameaçado e teve sua face alterada definitivamente neste período da história. Basta ver os nomes gregos dos reis da dinastia.

Costumamos lembrar em Chanucá a vitória dos Macabeus, mas pouco nos detemos neste período histórico da dinastia dos Hasmoneus, tão curto e tão rico de herança até nossos dias!
(Publicado originalmente em Visão Judaica nº 53, dezembro de 2006)

*Jane Bichmacher de Glasman é escritora e doutora em Língua Hebraica,

Literaturas e Cultura Judaica pela USP, professora adjunta,

fundadora e ex-diretora do Programa de Estudos Judaicos da UERJ.