16.10.07

O vício da inveja


Por Rabi Benjamin Blech

A nossa obsessão por adquirir coisas tem muito pouco de desejos pessoais, mas muito com a nossa recusa em ter menos que os outros.

Após aposentar-se aos sessenta e poucos anos, Rabi Benjamin Blech, rabino e professor na Yeshive University, subiu a montanha russa da fortuna até o topo, e então, assustadoramente, desceu até ao fundo. Eram os anos do desenvolvimento rápido do último século, e tudo dava certo. Acções custando centavos subiam de repente para centenas de dólares. Os investimentos de capital fizeram dele um multimilionário. A Internet e as acções ponto.com trouxeram-lhe uma fortuna que superou as suas melhores expectativas. Não foi difícil para ele planear o que faria com esta bênção inesperada. Faria vultosas doações para caridade, viagens fabulosas, ajudaria os seus filhos e netos, e asseguraria o futuro de toda a família.
Porém o dinheiro, com a mesma rapidez que veio, desapareceu.

Segue-se um trecho exclusivo do novo livro de Rabi Blech, “Taking Stock”, que é o resultado de sua odisséia pessoal. É um livro de orientação para aqueles que sofreram uma perda financeira e estão em busca de uma maneira de voltar a ter paz de espírito e bem-estar pessoal.


Os Dez Mandamentos resumem os ensinamentos mais importantes de toda a Torá. A Torá diz-nos, que estes mandamentos foram entregues em duas tábuas, cinco leis em uma e cinco na outra. O motivo? Eles tratam de duas categorias diferentes de preocupação religiosa. Os primeiros cinco ensinam-nos as nossas responsabilidades para com D'us. Os últimos cinco resumem as nossas obrigações com respeito ao próximo. Começam com três advertências que englobam transgressões muito sérias: “Não matarás”, “não cometerás adultério”, “não roubarás”. A seguir, expressando um nível de responsabilidade moral ainda mais elevado, vem o próximo mandamento: "Não darás falso testemunho contra o teu vizinho", ensinando-nos que podemos ser considerados culpados até mesmo por falar o mal.

É o último mandamento, porém, que os comentaristas explicam ter a finalidade de nos levar ao mais alto grau de santidade. Exige não apenas que controlemos as nossas acções e a nossa fala, como também os nossos pensamentos. Está dirigido a uma falta universal, e obviamente crê que podemos vencê-la: "Não cobiçarás a casa do teu vizinho; não cobiçarás a mulher do teu vizinho, nem o seu servo, ou a sua serva, nem o seu boi ou o seu burro, nem coisa alguma que pertença ao teu vizinho."

Estas cinco importantes leis sobre relacionamentos interpessoais seguem uma seqüência lógica e óbvia. Estão claramente relacionadas por ordem de dificuldade. Não matar? Muito fácil. Adultério? Bem, um pouquinho mais difícil. Não roubar coisa alguma, nem mesmo alguns clips no escritório? Muito difícil. Nem sequer posso partilhar alguma fofoca interessante só porque talvez não seja totalmente verdadeira? Você deve estar a brincar. E quer que eu não cobice a casa ou o carro de meu vizinho? Bem, isso é ir longe demais, não acha?

Estas leis, assim como os exercícios físicos, mudam para níveis cada vez mais complicados. Há um bom motivo para um seguir depois do outro.

Porém os eruditos sugerem outra maneira de contemplar a seqüência destes mandamentos. Aparecendo na segunda tábua, as leis de seis a dez podem ser entendidas como ensinando uma idéia profunda se as estudarmos na ordem inversa, de baixo para cima. Para tornar isso mais claro, listaremos os mandamentos de seis a dez:

6. Não matarás
7. Não cometerás adultério
8. Não roubarás
9. Não levantarás falso testemunho contra teu vizinho
10. Não cobiçarás…

Examinando-os de baixo para cima, o que a Torá nos ensina de maneira muito perceptiva é como entender a causa do mal. Como é possível para alguém matar um outro ser humano? Como é possível justificar a infidelidade para si mesmo e dormir com outro parceiro?

A seqüência dos mandamentos diz-nos como chegar ao fundo destas acções aparentemente incompreensíveis. Assim como o alicerce de uma casa está por baixo, assim também está a causa dos crimes contra o próximo na lista dos Dez Mandamentos. A raiz de uma árvore é responsável por tudo que ocorre acima dela. Portanto, também a "raiz" de todos os pecados mais graves é a cobiça.
Você diz a si mesmo que merece aquele objecto mais que o seu vizinho. A inveja o motiva a tentar conseguir o que deseja dando falso testemunho no tribunal. Se isso não funcionar, então, roubo. Se o objecto do seu desejo é a mulher do seu próximo, a sua cobiça leva ao adultério. E se nenhum desses se provar possível, então a única solução para o seu desejo insaciável é matar.
É por isso que a cobiça conclui o Decálogo. É tanto o fim como o começo. É o mandamento mais exigente, e conclui a lista de todos os outros porque é a chave para a sua violação, o "alicerce" do motivo que pode até mesmo levar ao assassinato.

Acompanhar o padrão de vida dos vizinhos
Para entender porque a Bolsa de Valores é tão importante para nós, temos de perceber o seu relacionamento com o ideal americano de "ter o mesmo padrão de vida dos vizinhos". A nossa obsessão para adquirir fortuna tem muito menos a ver com os nossos desejos pessoais do que com a nossa recusa em possuir menos que os outros. É por isso que existe hoje no mundo uma indústria multi-bilionária cujo propósito é a propagação sistemática da inveja, a aceitação do novo décimo mandamento, que proclama: "Tu cobiçarás." O nome da indústria é Propaganda. O seu objectivo, como admite francamente B. Earl Puckett, Presidente da Allied Stores Corporation, é este: "O nosso trabalho é tornar homens e mulheres infelizes com aquilo que têm."

"Eu tenho de ter aquilo, senão morro"
Criam-se as novas modas quase todos os meses. Aquilo que num mês é "in", no mês seguinte está "out". Numa semana você é um pária se não estiver a usar uma determinada marca de ténis. Na semana seguinte, já está ultrapassado se não tiver mudado para outra marca. Porque você deve ter constantemente alguma outra coisa? Porque as grandes empresas precisam de consumidores. Portanto, os consumidores têm de ser ensinados sobre aquilo que precisam de ter, em vez de terem aquilo que realmente precisam.

Não é segredo qual o sentimento que os grandes publicitários mais desejam despertar. Gucci foi suficientemente corajoso para admiti-lo, quando deu a um novo perfume que estava tentando popularizar o nome de "Inveja". Notável, não é, que aquilo identificado pela Torá como a causa básica do sofrimento humano – o pecado da inveja – tenha se tornado o próprio sentimento que a Era da Propaganda deseja que adotemos mais fortemente.

Quantas vezes por dia ouvimos dizer que não devemos ser felizes com aquilo que possuímos porque outros têm mais? Thomas Clapp Patton, no seu livro A Política da Inveja, nós dá o assombroso número de anúncios comerciais a que os americanos estão expostos todos os dias: cerca de 3.000. Setenta a noventa por cento do que se vê nos jornais das grandes cidades são anúncios, não notícias. A mensagem subliminar é sempre a mesma: Precise ou não, é importante ter aquilo que os outros têm.

Este é o verdadeiro significado da expressão que se ouve com freqüência dos fanáticos por compras: "Se eu não comprar aquilo, eu morro." Como pode a palavra "morrer" ser aplicada à falta de um objecto material? Somente porque alguma outra pessoa pode comprá-lo e eu não, isso me torna um "nada". E ser "nada" vale tanto quanto estar morto.

Quanto é Suficiente?
Se o desejo de possuir algo está baseado na necessidade, então a realização traz o contentamento. Se, no entanto, o objectivo é deixar de lado a necessidade e cobiçar as aquisições de outros, então estamos fadados ao desapontamento e a uma insatisfação ainda maior. Sempre existe alguém que tem um pouquinho mais – pelo menos o suficiente para provocar em nós inveja suficiente para nos impedir de ficarmos contentes com aquilo que é nosso.

O New York Times publicou uma entrevista com um homem chamado Nelson Petz. Investindo em companhias com problemas nos anos de 1980, ele apareceu na lista dos executivos mais ricos da Forbes por quase uma década. O valor das suas posses está agora estimado em 890 milhões de dólares. Porém, veja o que ele disse na entrevista: "Estou ultrapassado pelos padrões actuais. Olho para estes jovens com três ou quatro bilhões, e penso: ‘O que eu fiz de errado?’"

Não importa que Nelson Petz jamais conseguirá gastar todo o dinheiro que tem. Existem pessoas à frente dele na corrida pela fortuna, portanto, a inveja o torna um fracassado aos seus próprios olhos.

O Vício da Inveja
Se precisa de uma prova mais contundente da inveja controlando irracionalmente as pessoas, considere os incontáveis casos de pessoas viciadas em Canais de Compras ou "Compre pela Internet". Eles admitem francamente que não conseguem controlar-se e compram coisas que não precisam e não têm dinheiro para pagar. São pessoas que não têm mais espaço em casa para guardar tudo que compram. Nem sequer têm tempo para abrir as caixas ou desembrulhá-las. Precisam de alugar locais para armazenar as suas compras. Apesar disso, continuam comprando e comprando. Na mente desses indivíduos, há uma definição equivocada do seu valor pessoal. É como se o subconsciente lhes estivesse dizendo: "Não importa o preço. Quero que outras pessoas saibam que sou tão bom quanto elas."

"Os Viciados na Inveja" dão um jeito de passar a sua doença adiante para a próxima geração. No Wall Street Journal, uma enorme manchete apregoa a notícia de uma "Empresa Italiana Cria Um Visual Sob-Medida para Pais Indulgentes". O anúncio prossegue dizendo que uma firma chamada Pinco vende uma linha de roupas infantis que está se espalhando como fogo nos Estados Unidos. Vestidos para meninas de seis anos custando 600 dólares e bolsas combinando, ao preço de 200 dólares, mal permanecem por um dia nas montras. Pinco deixa claro qual é o seu público alvo: "Para mães que consideram os seus filhos um acessório da moda". Não, elas não são crianças com as suas próprias identidades. São reflexos do nosso status, do nosso valor, e do quanto podemos gastar para sermos iguais às pessoas cujas vidas cobiçamos.

O Professor Pobre
Ele é um amigo muito querido. Para proteger a sua privacidade, darei a ele o nome de Harry. Como professor universitário que recentemente recebeu a seu diploma, tem um salário razoável, tem artigos publicados em diversos jornais de prestígio, e a sua vida é intelectualmente estimulante e recompensadora. É feliz no casamento: tem três filhos maravilhosos e uma casa de classe média muito apropriada.

Faz vinte anos que se formou na High School, e foi convidado para uma reunião da classe. Ele decide ir, para descobrir o que aconteceu aos seus antigos colegas de classe. Ao encontrar os velhos amigos, percebe que não é o mais bem-sucedido da classe. Alguns têm mais dinheiro que ele, embora Harry saiba que foi melhor aluno do que eles. Outros têm mulheres que parecem mais sofisticadas e mais bonitas que a sua. Quando falam sobre os filhos, alguns são pais de jovens com maiores realizações que os seus. Quando vão embora, Harry vê que muitos deles têm carros melhores e mais caros.

Ele volta para casa naquela noite ruminando dentro de si uma espécie de desconforto que não consegue explicar. Estava tão feliz com a sua vida quando saiu de casa para ir à reunião. Agora está roído pela inveja. Está insatisfeito com o seu trabalho, a sua casa, a sua mulher, a sua vida. E na verdade, o que mudou? Nem um aspecto sequer da sua realidade! Porém ele não está mais contente, porque violou o Décimo Mandamento. A cobiça é uma doença da alma que traz consigo as conseqüências automáticas de sofrimento, amargura e frustração.

O que realmente o aborrece mais?
Digamos que você perdeu bastante dinheiro. Perdeu o seu emprego. A sua reforma teve foi reduzida a metade. Você está na verdade a lamentar por aquilo que não possui mais, ou por aquilo que outras pessoas ainda têm? É porque não tem o suficiente para a sua necessidade ou para a sua ganância? Se não houvesse alguém a quem se comparar, você ainda se sentiria tão deprimido? Quanto do que sente é o resultado do seu declínio financeiro, e quanto se deve à inveja incontrolável de outras pessoas que escaparam aos efeitos da queda no mercado de acções?

Algumas pessoas não ficam felizes, diz um famoso provérbio yidish, a menos que outros sofram grandes infortúnios. Seja honesto consigo mesmo sobre o que está realmente a incomodar-lhe. Se o seu problema principal é a inveja, aceite o conselho de Claudiano, o poeta latino do quarto século: "Aquele que cobiça é sempre pobre."


Biografia do Autor
Rabi Benjamin Blech é autor de sete livros aclamados, incluindo Entendendo o Judaísmo: Os Fundamentos da Acção e da Crença. É Professor da Talmud da Yeshive University e Rabino Emérito de Young Israel Oceanside, onde serviu por 37 anos, e do qual se aposentou para dedicar-se a escrever e dar conferências em todo o mundo.