21.6.06

NÃO IMITEIS OS MORCEGOS


Sejam como o leão e não como o morcego

Da Obra de Barros Basto
Ben-Rosh - Ha-Lapid número 14 de setembro / outubro de 1928

Em um jornal israelita francês encontrei as seguintes palavras, que gostosamente traduzo:
“Não sejamos destes israelitas vergonhosos que, em certos meios e em certas circunstâncias, querem dissimular a sua origem, abolir a sua fé, para suscitar a neutralidade ou a simpatia, muitas vezes desprezível, dos nossos detratores. Nós temos o direito de levantar a cabeça, de reivindicar como um título honorífico o nome de Judeu que encarna séculos de sofrimentos e de lutas gloriosas”.
“A obrigação consiste em amar e em defender o judaísmo, pela pena, pela palavra e sobretudo pela autoridade do exemplo”.
“A obrigação que temos, e é a mais imperiosa de todas é: instruir os nossos filhos, iniciá-los nas nossas leis religiosas e morais, esclarecê-los sobre o alto valor das nossas doutrinas, e de lhes lembrar sem cessar que a doutrina da humilde pedra desdenhada pelo arquitecto, desdenhada pelos ignorantes ou pelos malévolos, arrastaria a queda do seu próprio edifício, do nosso culto e a impossibilidade de manter a pedra do ângulo na base do edifício humano”.
São oportunas estas palavras especialmente para certos cripto-judeus, que nos segredam serem da grande e nobre nação dos filhos de Israel, mas quando se encontram na presença de católicos e de judeus, dizem-se livres pensadores, que todas as religiões valem o mesmo e que por isso nenhuma querem seguir.
A quem pretendem iludir com esta salutar hipocrisia, que causa nojo aos crentes de um e outro campo religioso?
Nós que temos opiniões religiosas bem definidas inspiramos simpatia aos nossos adversários, entre os quais, apesar da diferença de credos, temos sinceras amizades. Um adversário nobre e leal tem direito sempre ao respeito do seu antagonista.
Todo aquele que, para não ser perturbado na sua digestão, se entrega a uma dobre de caráter, só merece dos combatentes das várias crenças o desprezo.
São descendentes dos judeus portugueses, mas não querem seguir as nobres e augustas tradições dos seus antepassados, sentindo correr-lhes nas veias um sangue descorado. Que fiquem fora do judaísmo, mas de uma maneira clara e iniludível, sejam ateus, protestantes ou católicos.
Mais que uma vez o vento tem arrebatado ao secular cedro hebraico algumas folhas secas, que apodrecendo vão ainda adubar outras plantas. Só as folhas secas se desprendem, mas as que têm seiva seguram-se bem aos ramos do tronco ancestral.
Querer ser filha de cedro e de pinheiro ao mesmo tempo é impossível, só podem ser absorvidos por uma planta depois de haverem morrido na outra.
Há israelitas em Portugal que ocupam vários cargos em várias camadas sociais e que bem e publicamente manifestam as suas crenças, quer sejam militares ou marinheiros, proprietários ou professores, funcionários civis ou empregados no comércio e indústria, burgueses, oficiais, doutores, agricultores, industriais, comerciantes grandes e pequenos, de alta ou baixa sociedade, e todos vivem nas suas comunidades a clara luz do sol de liberdade religiosa desta boa terra portuguesa. E vivem em boa paz e harmonia com os seus lusos compatriotas de qualquer confissão, sem precisarem de se ocultar ou simular outras idéias.
No heráldico brasão da tribo de Judah existe como símbolo o leão, animal altivo, generoso e nobre como deve ser todo o servidor de Ad-nai, o Deus Altíssimo e Único.
O leão não teme mostrar-se e não deseja imitar o procedimento do morcego que só aparece na escuridão. Nunca em Israel o morcego foi símbolo heráldico e para que não sejais morcegos no vosso proceder, vou contar-vos porque só vive nas trevas.
Houve uma vez uma guerra entre os animais. De um lado batiam-se os mamíferos, tendo por aliados todas as restantes bestas que andam, correm e rastejam sobre a terra; do lado oposto defendiam-se as aves aliadas a todos os seres voadores.
Os dois exércitos batiam-se corajosamente em contínuas escaramuças.
Havia porém um animal que, amando muito a tranqüilidade e o bem estar, não queria tomar parte na luta: era o morcego.
Apesar de cuidadosamente evitar os locais de combate, acontecia por vezes ser apanhado por uma patrulha dos exércitos terrestres e tomado por espião.
Então lacrimoso dizia que era do partido terrestre, que era aparentado com os ratos, e se voava, o fazia com o seu manto de pele, o qual nunca poderia ser considerado como asas.
Os da terra, apesar de desconfiados, deixavam-no ir em liberdade.
Mal se via livre destes, era apanhado por alguma patrulha dos voadores, que se preparavam imediatamente para o matarem a bicada ou ferroada; mas o morcego lamuriava que não fizessem tal, que ele era do partido dos voadores, que era um pássaro. Não tinha culpa de ter asas pouco bonitas; não se fizera a si próprio. Os combatentes aéreos, embora meneando a cabeça em ar de dúvida, deixavam-no em paz. E assim o bichinho ia gozando a sua vida, não isenta de sustos.
Ora como tudo tem fim, também findou a guerra, e os combatentes de um e outro partido resolveram dar um colossal banquete de confraternização para festejarem a assinatura do tratado de paz.
Decorreu cheio de animação o banquete, durante o qual cada um recordava episódios da campanha. Alguns dos aliados terrestres falavam de um animal suspeito que fizeram prisioneiro, os voadores pediram os sinais desse bicho, e depois de trocarem várias explicações, chegaram à conclusão de que o tal animalejo procurava enganá-los a ambos os partidos. Resolveram pois os antigos inimigos e agora amigos, em plena concordância de votos, que todas as vezes que qualquer deles se encontrasse com o tal bicho dar-lhe uma boa sova.
Como esta sentença fosse proclamado em alto e bom som o morcego, que estava escondido num buraco de umas ruínas próximas, ouviu-a apavorado.
Desde esse tempo, e por esse motivo, o morcego só sai da toca quando as trevas da noite o protegem.
Ouvi, pois e por tudo, o meu conselho: não desejais ser morcegos.