13.7.09

Dia da maioridade

Na tradição judaica, a Torá é dividida em porções semanais, as parashiot, lidas publicamente na sinagoga na manhã de Shabbat. Uma parte mais reduzida da mesma porção semanal é lida também no serviço religioso matinal às segundas e quintas-feiras.

Estes três dias da semana, em que é lida a Torá, são também ocasiões para o Bar Mitzvá – a cerimónia de passagem dos rapazes judeus de 13 anos à idade adulta. É evidente que em muitos aspectos, um rapaz de 13 anos é ainda um adolescente, mas a lei judaica determina que a partir dessa idade – exactamente 13 anos e um dia – ele passa a ser responsável por si mesmo no cumprimento dos preceitos religiosos.

O Bar Mitzvá – literalmente "filho do mandamento" – é o momento para uma festa pública em honra do rapaz. O acontecimento central da celebração é a leitura pública do rolo da Torá, pela voz do próprio "bar mitzvado". Após alguns meses de treino intensivo, aprendendo o texto e a melodia especial da leitura da Torá, o jovem mostra os seus dotes de baal korê, o leito da Torá. A família que decide fazer o Bar Mitzvá no Shabbat organiza depois um banquete público – ou no mínimo um pequeno lanche matinal – após o final do serviço religioso. Muitas famílias, em especial as não-tanto-religiosas, decidem fazer a festa no Kotel, o Muro Ocidental, em Jerusalém, às segundas e quintas-feiras. São esses os dias mais movimentados no lugar mais santo do Judaísmo. Dezenas de rapazes, acompanhados pelas suas famílias rumam ao Kotel para a sua festa de Bar Mitzvá. Com eles, chegam fotógrafos e operadores de câmara com a missão de perpetuar o momento para a posteridade. Para os menos preparados na arte de ler a Torá, alguém mais experiente é convidado para fazer a leitura em seu lugar. Nesses casos, a participação do rapaz no ritual limita-se então a "subir à Torá": aproxima-se do rolo da Torá, faz uma bênção e escuta a leitura. Por várias vezes, presenciei cerimónias de Bar Mitzvá de rapazes de famílias não-religiosas. A estranheza do rapaz perante tal momento inédito na sua vida é comovente. Ele é um alienígena num planeta desconhecido, um planeta que os pais nunca lhe mostraram. Ele é o actor principal daquela peça, mas está totalmente baralhado pelo seu papel, imerso na estranheza – para ele – dos rituais. Para muitos destes filhos de famílias "afastadas", esta será a primeira vez que participam num serviço religioso. Ainda assim, a família pouco cumpridora dos mandamentos diários, teima em manter a tradição e realiza a festa do rito de passagem do seu filho com grande orgulho e empenho. Judeus estrangeiros abastados, em especial americanos, têm o costume de vir a Jerusalém por ocasião do Bar Mitzvá dos seus filhos. À porta do hotel onde a família fica hospedada, são afixadas faixas de felicitação ao "novo adulto" e em alguns pontos estratégicos do trajeto até ao Muro cartazes indicam o local da festa aos outros convidados. Nas décadas mais recentes, introduziu-se este costume também para as meninas. Ao atingir a maturidade religiosa aos 12 anos, as meninas judias também têm uma celebração especial. Não lêem da Torá, nem ninguém lê a Torá para elas publicamente. A versão feminina deste rito de passagem não é mais do que um banquete com as amigas. Por vezes, o banquete é partilhado por várias meninas de 12 anos que celebram juntas o seu Bat Mitzvá, "a filha do mandamento". Inventado pelas correntes reformistas do Judaísmo, desejosas da "integração" e "igualdade" da mulher na vida religiosa judaica, aos poucos o ritual foi penetrando no mundo ortodoxo judaico. Com algumas reticências, como é óbvio. No Brasil, por exemplo, é costume a festa de Bar mitzvá ser uma oportunidade para a ostentação do status familiar. Os banquetes contam com a actuação de estrelas da música local – conheço gente que teve a Elba Ramalho ou um desfile de escola de samba na sua "pouco ortodoxa" festa. Em todos os casos, o Bar Mitzvá e o Bat Mitzvá – ortodoxo, reformista, ou meio-termo, é um momento de festa que é recordado para toda a vida. Para os afastados, será das raras vezes que tiveram e terão contacto com a tradição judaica – talvez por muitos anos. Para outros, é exactamente aquilo que a festa pretende ser: a porta de entrada na vida judaica activa. O momento em que eles passam da inconsequente menoridade, à consciente adopção da rica e extraordinária tradição judaica.

*extraído do blog Clara Mente