23.8.08

PENSANDO NOS VIZINHOS

"Jorge foi até á casa do seu vizinho Pedro, na sexta-feira de manhã, e pediu o seu cortador de relva emprestado. Pedro estranhou, pois sabia que Jorge também tinha um cortador de relva.Pedro sabia que a máquina de Jorge não estava avariada, porque a utilizou-a durante a semana. Porque então a pediu-a emprestada? Não quis perguntar, com medo de ofendê-lo, mas ficou curioso.

De tarde, Pedro encontrou António, um outro vizinho seu, e no meio da conversa comentou sobre o estranho pedido de Jorge. António ficou preocupado, pois Jorge havia também havia pedido-lhe a sua máquina emprestado logo de manhã. Que estranho! E quando foram até a casa de Fernando, um outro vizinho, descobriram que Jorge também havia passado de manhã pedindo-lhe a sua máquina de cortar de relva. Decidiram descobrir de uma vez por todas o que se estava a passar.

Foram até á casa de Jorge, e quando ele abriu, os três perguntaram, já um pouco irritados:

- Ei, Jorge, que brincadeira de mau gosto é esta? Porque nos pediste a máquina de cortar relva a todos nós?

Jorge, desmascarado no seu plano genial, sorriu e explicou:

- Não foi uma brincadeira. Não se preocupem, vocês terão as vossas máquinas de cortar relva de volta na segunda-feira, logo pela manhã. É que eu estou muito cansado, e finalmente conseguirei dormir em paz no fim de semana até um pouco mais tarde..."

Muitas vezes estamos tão entretidos nas nossas actividades quotidianas que nos esquecemos o quanto podemos estar a atrapalhar e incomodar as outras pessoas.

O judaísmo ensina que devemos pensar, em cada pequeno acto que fazemos e como isso afecta os outros à nossa volta.

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A Parashá desta semana, Eikev, começa enumerando uma série de Brachót

(bençãos) que D'us prometeu dar ao povo judeu, condicionais ao cumprimento das Mitzvót, como diz o primeiro versículo da Parashá:

"Vehaia eikev tishmeun..." (E será, porque ouviram estas leis, e as cuidarão e as cumprirão, e D'us guardará o pacto e a bondade que Ele jurou aos seus antepassados) (Devarim 7:12). Rashi, comentarista da Torá, explica que a palavra "Eikev" pode significar "porque", mas também pode significar "calcanhar". Ele explica que o versículo refere-se aos cuidados que devemos ter com as Mitzvót fáceis, aquelas que aparecem no quotidiano e que, por parecerem simples e sem valor. Muitas vezes nós desprezamos e "pisamos com os nossos calcanhares". O Talmud também reforça o cuidado com as Mitzvót fáceis e simples, e diz que o julgamento final da pessoa é de acordo com o desprezo que a pessoa teve por estas Mitzvót. Mas de que tipo de Mitzvót fáceis e simples a Torá está se referindo?

Umas das obrigações do ser humano neste mundo é desejar sempre chegar à máxima grandeza espiritual, e todos os dias devemos nos questionar "Quando os meus actos chegarão aos actos dos meus patriarcas?". Actos como os de Avraham, que após fazer o seu Brit-Milá aos 99 anos, sem anestesia nem instrumentos cirúrgicos, sentou-se na porta de casa para esperar convidados, pois a dor de não fazer bondades era maior do que a dor física do Brit-Milá. Actos como o de Itzchak, que sabendo que o seu pai iria sacrificá-lo para D'us, aceitou com alegria e pediu que as suas mãos fossem amarradas, para que nenhum acto reflexo pudesse desviá-lo de cumprir a vontade Divina. Ou actos como o de Yaacov, que passou 20 anos sendo enganado pelo seu tio Lavan, e mesmo assim não deixou de ser honesto nem trabalhador durante todo esse tempo. Mas mesmo almejando este nível de grandeza espiritual, não podemos esquecer-nos das coisas do quotidiano, aqueles pequenos detalhes, que tantas vezes passam desapercebidos por parecerem desprezíveis. E incluído entre estas pequenas coisas está o "Derech Eretz" (Bons Modos), que são tão importantes, ao ponto dos nossos sábios afirmarem "Derech Eretz Kadmá La Torá" (Os bons modos vêm antes da Torá).

Mas o que os bons modos têm a ver com a Torá? Aquele que é relaxado com os assuntos mundanos, também será relaxado com os assuntos espirituais, pois a falta de cuidados com os assuntos pequenos do quotidiano é um reflexo de uma falha nas características espirituais da pessoa, que não se importa em chegar ao preenchimento total nos seus actos. Pela maneira como nos comportamos nos pequenos actos do quotidiano podemos saber realmente a nossa essência.

Mas é preciso deixar claro que bons modos não significa saber com que faca comer o peixe ou como arrumar o guardanapo na mesa, pois isso é "etiqueta". Bons modos significa preocupar-se com a honra do próximo, com o sentimento dos outros. A Mishná em Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas) ensina-nos: "Qual o caminho correcto na qual o ser humano deve seguir? Rav Iossi disse: seja um bom vizinho". Mas ser um bom vizinho é algo muito específico, este é o caminho que devemos seguir para a vida, algo muito mais amplo?

Grande parte das atividades "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e o seu

semelhante) ocorre entre vizinhos. Se a pessoa se esforça para ser um bom vizinho, de forma que o seu pensamento está sempre voltado a ajudar os outros e a se cuidar para não causar nenhum dano ou incómodo, ele se acostumará a fazer as pequenas coisas do quotidiano da maneira correcta, e no final também direccionará todas as suas atitudes na vida, pequenas ou grandes, da maneira correcta. Pois quando nos acostumamos a comportar de forma correcta e ordenada nos assuntos pequenos, no final também nos comportaremos de forma correcta e ordenada nos assuntos grandes.

Da mesma forma que grandes edifícios começam a partir de pequenos tijolos, assim também grandes homens começam com pequenos actos.