24.5.08

QUANDO CADA UM FAZ SUA PARTE

"Havia um rei que tinha um coração muito bondoso. Tudo o que ele havia feito no reino, até mesmo o menor detalhe, era a pensar em atender as necessidades dos seus queridos súbditos. Certo dia, o rei chamou um dos seus ministros e passou-lhe uma importante missão, que ele deveria cumprir para o seu próprio bem e para o bem de todo o reinado. E parte da missão era uma longa viagem, com uma série de dificuldades no caminho.

Para garantir que o ministro conseguiria cumprir a sua missão e vencer as dificuldades, o rei reuniu um enorme grupo de ajudantes para servi-lo em tudo o que ele necessitasse durante a longa jornada. Chamou os ajudantes e instruiu-os a fazer de tudo para ajudar o ministro, mas com a condição de que o ministro realmente estivesse a cumprir a missão designada. Se percebessem que o ministro não estava fazendo a sua parte, eles poderiam deixar de fazer a parte deles também.

Durante o caminho, os ajudantes seguiram fielmente as ordens do rei, esforçando-se ao máximo para dar ao ministro todas as condições necessárias para cumprir a sua missão. Porém, começaram a perceber que o ministro lentamente se desviava do propósito original, e começava a utilizar a ajuda do rei para o seu próprio benefício. Começaram a ficar irritados, mas continuaram a fazer a parte que lhes competia.

De repente, surgiu diante deles um grande rio. O ministro não sabia o que fazer, pois não sabia nadar, e não havia outra maneira de atravessar o rio. Os ajudantes prontamente atiraram-se á água e levantaram os braços, para que pudessem carregar o ministro e este pudesse chegar ao outro lado são e salvo. A travessia estava difícil, e os ajudantes começaram a cansar-se, mas faziam de tudo para cumprir as ordens do rei. Quando olharam para o ministro, perceberam que ele estava tranquilamente aproveitando o momento para tomar sol e relaxar, ao invés de fazer o trabalho que deveria fazer. Então um dos ajudantes não aguentou e falou:

- Senhor ministro, acho que o rei deixou bem claro as funções de cada um nesta viagem. O senhor tem uma missão, e nós fomos designados para auxiliá-lo a cumprir esta missão, ajudando em tudo o que fosse necessário. Porém, o rei deixou bem claro que o nosso trabalho estava condicionado ao cumprimento do seu trabalho. Até agora fizemos o nosso trabalho com dedicação, mas temos notado que o senhor não está mais empenhado em cumprir o seu trabalho. Agora eu pergunto: o senhor não tem medo de não fazer a sua parte, sabendo que, no meio da travessia do rio, nós podemos deixar de fazer a nossa parte? Será que você não tem medo de morrer afogado?

O ministro, entendendo o recado, voltou logo ao trabalho, e em pouco tempo conseguiu cumprir a sua missão com êxito"

O livro "Chovot Halevavót" (Deveres do coração) traz esta história para nos ensinar a refletir um pouco mais sobre o porquê de tantas vezes a natureza "se revoltar" contra a humanidade e causa grandes catástrofes. Será que são coincidências, ou são um reflexo dos nossos próprios actos?
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Na Parashá desta semana, Bechukotai, a Torá traz uma profecia condicional, que é aplicada de acordo com o comportamento do povo. A Parashá começa por descrever todas as Brachót (Bençãos) que podem recair sobre o povo judeu, e depois descreve todas as Klalót (Maldições). E qual é a condição? A condição é o primeiro versículo da Parashá: "Se vocês seguirem os Meus estatutos e guardarem os Meus mandamentos, e os cumprirem..." (Vayikrá 26:3). Isto é, se o povo seguir os caminhos de D'us recebem as Brachót, mas se não seguir então recebem as Klalót. E a Torá ensina-nos que esta profecia não valia apenas para a geração do deserto, mas também para cada um de nós, nos nossos dias.

Quando a Torá descreve a criação do mundo, no final de cada dia é feita a contagem: "Dia um", "Segundo dia", "Terceiro dia", e assim por diante. Mas no sexto dia da criação está escrito "O sexto dia". O que houve de especial neste dia, diferente do resto da criação? Explicam os comentaristas que no sexto dia foi criado o ser humano, fazendo com que toda a criação tivesse sentido, pois desde a estrela mais distante no céu até o peixe que vive nas águas mais profundas, tudo foi criado para servir o homem, para ajudá-lo, directa ou indirectamente, a completar o seu trabalho neste mundo.

Explica o livro Chovót Halevavót que uma das maneiras de chegarmos a entender o Criador é refletindo sobre toda a criação. Se prestarmos atenção, perceberemos que tudo no universo cumpre a função que D'us lhe atribuiu de maneira rígida, sem desvios. Os planetas seguem movendo-se em suas órbitas fixadas pelo Criador, o mar restringe-se aos limites fixados pela terra, o corpo humano comporta-se dentro dos seus limites, cada órgão trabalhando de acordo com a sua determinada função. Em todo o universo, a única criatura que se rebela contra o Criador e se afasta das suas funções é o ser humano.

Uma das maneiras de D'us nos despertar é "Midá Kenegued Midá" (medida por medida). Quando nos rebelamos e nos afastamos do nosso propósito, do nosso trabalho neste mundo, D'us adverte-nos fazendo com que as outras criações também comecem a sair dos seus limites. Quando as águas deixam os seus limites, como aconteceu no Tsunami, o resultado são 250 mil mortos. Quando a Terra deixa os seus limites, tremores destroem e arrasam cidades inteiras. Quando o corpo humano deixa de funcionar como deveria, a vida da pessoa termina. Uma das doenças mais temidas pela humanidade, o câncer, é causado quando a estrutura de uma célula se altera e sai dos seus limites, começando a se multiplicar e a espalhar-se de forma descontrolada por todo o corpo.

Tudo o que recebemos neste mundo é apenas para nos ajudar a cumprir o nosso objectivo, e quando nos desviamos, o mundo material traz-nos de volta ao caminho. O grande problema é que actualmente não paramos mais para refletir. Se abrirmos os jornais e revistas que noticiaram o recente terremoto ocorrido na China, onde o saldo foi de mais de 40 mil mortos, as frases mais frequentes são "Natureza ataca o homem", "A natureza descontrolada", "Desastre natural", isto é, toda a ênfase é dada nas explicações naturais do fenómeno. Porém, o principal é sempre esquecido, é sempre deixado de lado. As perguntas que cada ser humano deveria fazer ao ver uma tragédia deveriam ser "Porque motivo isso aconteceu?" e "Será que isso tem algo a ver comigo, com os meus actos?".

O universo inteiro foi criado para nos servir. Mas se não cumprimos o nosso papel, se não fazemos a nossa parte, D'us utiliza o universo como um lembrete, como um despertador. Podemos olhar estas catástrofes como ensinamentos para nos ajudar a mudar e melhorar os nossos actos, e assim poder receber as Brachót profetizadas na Torá. Ou podemos continuar a olhar para tudo como se fosse um grande acaso, esperando qual será a próxima tragédia natural que atingirá o mundo.

Rav Efraim Birbojm