31.5.08

O REI SEM MORADIA

"Havia um rei que queria construir um palácio, mas não sabia exactamente em que cidade estabeleceria o centro do seu reinado. Para procurar um lugar apropriado, decidiu visitar as cidades, para ver como seria recebido pelos seus habitantes. Quando chegou á primeira cidade, esperava que todos os moradores corressem alegremente para recebê-lo, mas ao contrário, encontrou as ruas desertas e as pessoas trancadas dentro de suas casas. O rei então descobriu o motivo: a maioria das pessoas daquela cidade trabalhava de maneira desonesta, e por isso temiam que o rei fosse morar entre eles, pois seriam obrigados a abandonar a sua vida de ilegalidades.

O rei não desistiu, foi até uma segunda cidade, mas novamente ninguém o esperava na rua. Desapontado, pensou em desistir, mas explicaram-lhe que naquela cidade as pessoas não pagavam impostos, e portanto não queriam o rei por perto, afinal, não pretendiam mudar o seu estilo de vida.

Finalmente, após passar por uma porção de cidades onde as pessoas não queriam a sua presença, finalmente chegou a um lugar onde foi recebido por uma grande multidão, que cantava e dançava alegremente. As pessoas desta cidade sabiam que a chegada do rei traria mudanças ao seu quotidiano, e isto seria um pouco difícil no início, mas também sabiam que certamente o rei investiria na reconstrução da cidade, surgiriam novos empregos e a situação melhoraria. Não tinham nada a perder, ao contrário, sabiam que a presença do rei traria apenas coisas boas para eles. O rei, vendo a recepção calorosa daquelas pessoas, decidiu que seria naquela cidade que ele construiria o seu palácio e moraria para sempre"

D'us ofereceu a Torá para todos os povos, mas a maioria não se interessou, pois entenderam que a Torá significaria mudanças nas suas vidas. Apenas o povo judeu recebeu alegremente a Torá, e aceitou sobre si a responsabilidade de mudar os seus actos, pois entendeu que todas as mudanças seriam para melhor.
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Nesta semana começamos o quarto livro da Torá, Bamidbar, que significa "No deserto", pois neste livro estão descritas as inúmeras viagens e acontecimentos durante os 40 anos do povo judeu no deserto. E assim começa a Parashá desta semana, Bamidbar: "E D'us falou com Moshé no deserto do Sinai..." (Bamidbar 1:1). Se o povo judeu havia saído do Egipto e caminhava em direcção à terra de Israel, é óbvio que estavam no deserto. Então porque a Torá precisa de dizer que D'us falou com Moshé no deserto?

Responde o Midrash (Torá Oral) que quando D'us quis entregar a Torá, Ele foi até ao mar, mas o mar fugiu, como está escrito: "E o mar viu e fugiu" (Salmos 114:3). Então Ele foi até as montanhas, mas as montanhas também fugiram, como está escrito: "As montanhas saltaram como carneiros" (Salmos 114:4). Apenas no desolado deserto D'us foi bem recebido e pôde entregar a Torá ao povo judeu. O que quer dizer este Midrash?

Cada pessoa tem o seu estilo de vida e os seus costumes, e é difícil mudar. Todos entendem que se queremos mais músculos é preciso frequentar o ginásio, suar e
esforçar-se. Para ser um campeão, é necessário horas diárias de treinamento e uma vida disciplinada, abrindo mão de muitas coisas. Porém, quando chega na área espiritual, as pessoas pensam que podem crescer e melhorar sem esforço, sem dedicação, sem abrir mão de nada na vida. Pensam que para ser uma boa pessoa não é necessário nenhum investimento.

Muitos de nós conhecemos pessoas aparentemente "religiosas", que usam Kipá na cabeça e frequentam alguma sinagoga, e por isso esperamos deles um comportamento diferente, mas muitas vezes nos decepcionamos. A nossa reacção imediata ao ver um religioso fazendo algo errado é dizer "Mas isso é a Torá? Isso é tudo o que a Torá pode fazer por alguém? Pensei que a Torá podia mudar as pessoas, transformá-las em pessoas melhores, mas agora eu vejo que não!". Este pensamento é equivocado, pois não podemos confundir o judeu e o judaísmo. O judaísmo é muito maior do que a maioria dos judeus que vamos encontrar em nossas vidas.
Ensina o Rav Yssocher Frand que é por isso que a Torá foi entregue no deserto, no meio do nada, na desolação, para nos ensinar que a única maneira de conseguir mudar na vida, se tornar uma pessoa melhor, é esvaziandoo nosso conteúdo anterior, isto é, querendo de verdade mudar, mesmo que isso implique em abrir mão de certos comodismos. É aceitar o que a Torá tem para nos ensinar, e não seguir apenas o que nos interessa na Torá.

Se alguém quer procurar um verdadeiro modelo de judeu, basta olhar para grandes rabinos, tais como o Chafetz Chaim ou o Rav Moshe Feinstein. Porque eles chegaram a ser tão grandes? Pois se fizeram como desertos, isto é, tiveram uma atitude diante da Torá de "mude-me, transforme-me numa pessoa melhor, eu estou disposto às mudanças". Eles aceitaram receber a Torá incondicionalmente, pois sabiam que a Torá os transformaria em pessoas melhores.

Porém, a maioria de nós não se comporta como deserto, pois não estamos realmente dispostos a mudar as nossas vidas, a abrir mão dos nossos costumes. Muitos recebem sobre si viver uma vida de Torá e Mitzvót, mas aceitam nos seus próprios termos, não nos termos de D'us, causando com isso decepções nas pessoas. O local da entrega da Torá ensina-nos que sem estar dispostos a mudar de verdade, a abandonar conceitos errados para aprender os certos, sem escutar os ensinamentos da Torá de maneira sincera, podemos até crescer, mas certamente nunca chegaremos ao nosso máximo potencial espiritual.