12.2.08

5h17 – Um Momento de Verdade

Por Simon Jacobson

Um momento. Para sempre.

Todas as coisas especiais, até as eternas, acontecem num momento. Quase todos os momentos na nossa vida são fugazes, facilmente esquecidos ou nem sequer relembrados. Porém os momentos mágicos – de amor ou perda, de alegria ou sofrimento, de um segredo revelado – estes permanecem.

Pode levar muitos momentos, muitos anos, até séculos, para chegar aquele momento especial. Porém o momento ainda é um momento. E quando acontece, você jamais o esquece. Ele torna-se uma parte indelével de si. Felizmente você se apega a ele, mas mesmo quando não o faz, sempre permanece entranhado no seu ser, esperando para ser recuperado, num instante.

Delineado para sempre na minha mente está um momento único, que aconteceu há exactamente um ano, às 5h17m da tarde do domingo, 20 de Iyar (correspondendo a 29 de Maio).

Eu vi uma vida – uma vida que me moldou – terminar uma parte da sua jornada, para começar uma outra parte. A minha limitada percepção, aquela que eu partilho com muitos, pôde ver apenas o primeiro estágio. Num momento eu via a alma do meu pai manifesta no seu corpo. No momento seguinte eu não via mais.

O que aconteceu às 5h17m? Na verdade não sei. Uma alma que estava connosco de repente não estava mais ali. Tentei olhar. Meu D’us, como eu tentei. Mas quando a cortina se fecha, por mais que tentemos, os nossos olhos não podem ver além.

Um momento – vivo, vibrante, elétrico; uma personalidade que tocou e mudou muitas vidas. No instante seguinte – se foi.

Às 5h17m a força de vida do meu pai – também conhecida como alma – nos deixou.

Deixou mesmo?

Uma alma vive na nossa vida, na nossa lembrança? A alma continua a vicejar através da inspiração e das palavras que nos deixou, especialmente uma que deixou montanhas de palavras escritas?

Lembranças…

Uma das primeiras lembranças que tenho do meu pai é segurar a sua mão caminhando pela Avenida Nostrand na manhã do Shabat a caminho da sinagoga. Eu sempre me sentia bem perto dele. Sempre. Agora sei porquê. Era porque ele sempre se sentia bem consigo mesmo. Quando se está em paz consigo mesmo, está em paz com todos que o cercam (mesmo que possa discordar radicalmente do outro) e os conforta neste processo. Quando o meu pai falava sobre o seu pai, agora posso entender de onde o meu pai derivou a sua personalidade.

Ahhh… pessoas saudáveis. Complexas, mas suaves e sem mistérios.

Quando os meus filhos eram pequenos, eu costumava segurar as suas mãozinhas quando caminhávamos, semelhante ao que o meu pai fazia com as minhas. Devo confessar que hoje tento segurar brevemente a mão do meu filho de 22 anos, para constrangimento dele. Mal sabe ele que não faço isso por ele, mas por mim. Estou recriando a minha conexão com a infância, com o meu pai.

A porta da verdade entre os dois mundos abre-se duas vezes na nossa vida. Uma vez no início, outra no fim.

Durante o nascimento um canal se abre, entregando ao mundo um presente: uma criança recém-nascida. De onde se origina a alma, de onde esta nova vida surge subitamente? Não podemos ver. Tudo que testemunhamos é a porta se abrindo.

Então, na hora da morte, (ou melhor, quando a alma se separa do corpo) a porta abre-se pela segunda vez, devolvendo o presente ao seu lugar de origem? Como é o lugar? Creio que apenas as almas sabem. E somente quando nos tornamos apenas alma é que saberemos.

Como são sábias as palavras que Shlomô escreveu: “Os vivos devem levar a sério.” Levar a sério não apenas o sofrimento e a tristeza pela perda – precisamos que o sábio Shlomô nos diga que o nosso coração chora quando perdemos um ente querido?

Levamos a sério e lembramo-nos mesmo depois de a porta se fechar. Lembramos que temos percepção limitada. Mesmo quando não podemos ver atrás da porta, nunca sentimos ou pensamos, nem mesmo por um breve instante, que nada está acontecendo no outro lado.

Levar a sério…

No segundo ano [do Êxodo], no dia 20 do segundo mês [Iyar], a nuvem ergueu-se do Tabernáculo do Testemunho. Os israelitas então começaram as suas viagens… (Bamidbar 10:11)

Às 5h17 de 20 de Iyar uma nuvem ergueu-se e retornou ao Céu. Um breve instante se tornou eterno.