"Eu judeu – você judeu."
Rótulos e etiquetas
Por Shalom Paltiel
Você já examinou bem o Col Nidrei, considerada a prece mais importante do Judaísmo? Leia a tradução e talvez fique intrigado sobre porque esta parte da liturgia atrai tanta atenção. É uma simples – embora forte – declaração de anulação de votos. Este é o pensamento mais importante na nossa mente, quando entramos na sinagoga na véspera do dia mais sagrado do ano, o Yom Kipur?
Dois judeus num avião
Após completar as suas preces matinais a bordo de um vôo da El Al a caminho de Tel Aviv, o idoso chassid europeu voltou-se para o judeu americano sentado perto dele e ofereceu-lhe o uso do seu Talit e tefilin. O problema era que uma forte barreira de linguagem separava os dois. O chassid falava apenas yidish e russo, ao passo queo nosso judeu moderno podia apenas conversar em inglês. Nem mesmo a linguagem dos sinais ajudava a facilitar a comunicação entre estes dois indivíduos bastante diferentes.
Finalmente, frustrado, o chassid pronunciou o seguinte – provavelmente as únicas palavras do seu vocabulário em inglês: "Eu judeu – você judeu; eu tefilin – você tefilin." Não houve necessidade de acrescentar mais palavras. O homem entendeu. Certamente ele colocaria tefilin a bordo do seu primeiro vôo para Israel.
Gosto dessa história porque enfatiza bastante a centelha judaica em comum que cada um de nós possui, independentemente de quem somos ou da extensão da nossa observância judaica. Estes dois judeus tinham muito pouco em comum; vinham de partes diferentes do mundo, e nem sequer falavam o mesmo idioma. Porém, naquilo que dizia respeito ao judeu interior, eles se conectaram perfeitamente; eram um só e o mesmo. De repente, passaram a entender-se perfeitamente. Na verdade, não havia qualquer barreira. Porque afinal – "Eu judeu, você judeu."
O tigre do Circo
Outra das minhas favoritas é a história do homem pobre e desempregado que foi ao circo procurar trabalho. O único cargo disponível era preencher o lugar de um tigre que fugira. Deram a ele uma fantasia de tigre e o colocaram numa jaula.
Tudo corria bem, até que o Sr. Tigre começou a caminhar na sua direcção. Petrificado, o tigre disse aquilo que um judeu diz quando enfrenta a morte iminente: “Shemá Yisrael Ado-nai Elohenu Ado-nai Echad” (“Ouve, ó Israel, o Eterno é nosso D'us, o Eterno é Um”).
A isso o outro respondeu: "Baruch Shem kevod malchuto leolam va'ed” (“Bendito o nome da glória de Seu reino para todo o sempre”) – o segundo verso do Shemá.
Esta é a história dos judeus: aparentemente, podemos parecer muito diferentes uns dos outros, mas na realidade, somos todos iguais - judeus.
A marca do Judaísmo
O problema está nos rótulos. Todo o judeu tem uma etiqueta!
Ortodoxo, conservador, reformista, reconstrucionista, moderno, tradicional, secular, religioso. Uma longa lista. Acha que Moshê organizou o povo ao redor do Sinai segundo as suas afiliações partidárias? Claro que não. Estes rótulos não possuem raízes em lugar algum da Torá ou na literatura clássica judaica. São invenções recentes que não servem a outro propósito senão o de dividir o nosso povo. E isso, numa época em que mais do que nunca precisamos uns dos outros. Creio que todos concordam que precisamos de mais unidade. E quanto à divisão entre o nosso povo, já temos demais.
Quando se trata de roupas, sou o primeiro a concordar: as etiquetas servem a um propósito importante para nos ajudar a escolher as nossas preferidas em termos de estilo, qualidade, etc. Mas quem já ouviu falar de etiquetas para judeus?
Pense nisto: de que servem estes rótulos para o povo judeu, a não ser para criarem divisões e linhas denominativas? Por que não podemos simplesmente sermos todos apenas "judeus"? Porque precisamos rotularmos baseando-nos no nosso nível de observância?
É verdade que alguns de nós são mais religiosos e observantes que outros. Isso é motivo para nos dividir categoricamente em grupos? Que cada um de nós observe o Judaísmo e os seus preceitos usando da melhor maneira possível o seu conhecimento e capacidade, sem precisar de uma etiqueta com nome proclamando que somos de uma marca específica.
Além de nos dividir, os rótulos também limitam o nosso crescimento como judeus. Uma vez que tenhamos sido rotulados, não sentimos necessidade de aprender mais sobre o nosso legado do que aquilo que é típico para os membros do nosso grupo em particular. Retire a etiqueta, e o Judaísmo é seu para explorar, completa e livremente, sem medo de passar da conta e observar alguma tradição que não é para o seu tipo. Entende o que eu quero dizer?
Se não sou religioso – sou um mau judeu?
Talvez, de forma subconsciente, nós usemos etiquetas para baixar o padrão. Podemos ainda sentirmo-nos bem sobre nós próprios como judeus, mesmo que se não esteja a crescer na observância da Torá. A verdade é que não há necessidade de sentirmo-nos mal. D'us ama-nos mesmo assim – até se não formos judeus "perfeitos".
O Rebe costumava enfatizar o valor de realizar até mesmo uma única mitsvá (preceito judaico). Ele proclamava repetidamente que o judaísmo não é uma religião de tudo-ou-nada, como alguns poderiam fazer pensar ("Ou cumpre toda a Torá ou não se incomode de cumprir nada 'porque é um ‘mau’ judeu '"). Este seria o caso se D'us fosse um ditador tirânico que precisássemos aplacar. Na verdade, D'us é um Pai amoroso. Ele pediu-nos para cumprirmos as mitsvot, não em busca de poder ou controle, mas por causa do Seu profundo amor por nós – Seus preciosos filhos. Como filhos, não é a perfeição que você busca. Um bom pai deseja que cada filho atinja o seu melhor potencial. Não se trata de "tudo-ou-nada", mas sim "faça o melhor possível".
Um homem certa vez reclamou ao Rebe sobre um dos seus filhos que tinha "deixado o caminho" da observância de Torá. "Criei todos os meus filhos exactamente da mesma maneira. Não consigo entender por que este enveredou por outro caminho." O Rebe respondeu: "Aí está o problema. Você criou todos os seus filhos da mesma maneira. Porém eles não são o mesmo. Cada filho é único e exige orientação segundo a sua personalidade individual."
D'us é um Pai amoroso e sábio, que tem um relacionamento pessoal e único com cada um de nós. Sim, Ele gostaria que todos nós "chegássemos às estrelas", tentando observar o Judaísmo em toda a sua beleza e profundidade. Mas isso é a longo prazo. Pois exactamente agora, é importante para D'us que façamos o melhor possível e continuemos a crescer. Se cumprirmos mais uma mitsvá este ano do que no ano passado – estamos fazendo D'us Se orgulhar de nós!
Anulando os rótulos
Então, porque tanto barulho sobre o Col Nidrei?
Num nível místico e mais profundo, é muito mais que apenas a anulação de votos e promessas. É uma poderosa declaração que anula e invalida todos os rótulos, restrições, demarcações, barreiras e etiquetas que tendem a obscurecer a nossa fulgurante essência judaica inerente. Todos nós partilhamos um único rótulo: Judeu!
Somos um povo muito especial, indivisível, a família da nação escolhida de D'us. Sim, como qualquer outra boa família temos a nossa quota de rivalidade fraterna. Mas isso não muda o facto de que "Eu judeu – você judeu."
<< Home