17.10.06

KIPA, a base de todos os preceitos











Por J. Immanuel Schochet

Desde os dias de antanho é costume judaico cobrir a cabeça o tempo todo. Assim, a kipá tornou-se uma parte familiar na vestimenta do judeu.
Geralmente, os judeus aceitam que a cabeça seja coberta quando estão em locais sagrados, como a sinagoga, ou envolvidos numa ocupação sagrada, como o estudo de Torá, recitando preces, participando de refeições, e similares. Na verdade, não há um tempo na vida do judeu em que ele não esteja na presença de D’us, nem qualquer parte da sua vida que esteja livre do serviço a D’us.
Pouco antes do falecimento de Rabi Yossef Y. Schneersohn, de abençoada memória, foi-lhe feita uma pergunta por um importante cavalheiro judeu, sobre a importância de manter a cabeça coberta. A resposta do Rabi, mais tarde complementada pelo seu sucessor, Rabi Menachem Mendel Schneerson, forma a base desta breve explicação sobre a prática de cobrir a cabeça.O Rabino, de abençoada memória, prefacia a sua resposta com uma referência ao dito do Talmud: "Por que a porção do Shemá foi colocada antes da porção de ‘E isto passará, se ouvires diligentemente, etc.?’ Porque a pessoa deve primeiro aceitar o jugo do reino dos Céus e depois aceitar o jugo dos seus preceitos." (Berachot, 1ª Mishná, cap. 2).
As palavras da Mishná são claras, dizendo que a submissão do judeu ao reino de D’us e a sua aceitação dos preceitos deve ser de maneira e condição de um "jugo", não precisando basicamente de explicação intelectual, mas somente de um reconhecimento de que é o decreto da vontade de D’us. Para ter a certeza, eruditos, sábios e filósofos judeus escreveram volumes sobre o significado e importância das várias mitsvot. Mas sejam quais forem os motivos intelectuais para explicar qualquer mitsvá em particular, eles são realmente imateriais, e de maneira alguma representam todo o verdadeiro significado da mitsvá; pois a mitsvá é essencialmente um "decreto" Divino, que está acima da razão.
Na prática, vemos que aqueles que observam estes preceitos porque são ordens de D’us, decretados pela Sua vontade – cumprem-nos fielmente o tempo todo, e em todos os lugares; porém aqueles que seriam guiados por ‘explicação" com frequência incorrem em erro, pois o intelecto humano é limitado, ao passo que os preceitos são dados por D’us, cuja sabedoria é infinita.
A prece do Shemá forma o tema central das nossas preces matinais e nocturnas. O Shemá consiste de três capítulos, extraídos da Torá.
Na primeira porção do Shemá proclamamos a unidade de D’us e a Sua Soberania; Ele é Um, o Criador e Senhor de todo o universo. Ao mesmo tempo, professamos a nossa completa e absoluta submissão ao reino de D’us, com um amor maior e mais forte que qualquer outra coisa que tenhamos, incluindo a nossa própria vida.
A segunda porção do Shemá fala das ordens de D’us, as mitsvot: D’us é o Supremo Juiz, recompensando o cumprimento das Suas ordens, e advertindo sobre eventuais retribuições para o não-cumprimento.
A terceira porção foi acrescentada para a sua menção da mitsvá do tsitsit e da libertação do Egipto. Os primeiros dois capítulos do Shemá formam o tema da nossa discussão.
Os nossos Sábios, como foi citado na carta do Rabi, observam que a ordem das primeiras duas porções do Shemá não é acidental, mas lógica e propositada. Ela diz-nos, antes de mais nada, que tanto no caso da nossa submissão ao reinado do Céu quanto da nossa aceitação das mitsvot, elas devem ser de maneira similar a um "jugo". Em segundo lugar, que o primeiro pré-requisito de observar os preceitos e praticar a nossa religião é a aceitação da Soberania Divina com absoluta resignação e submissão.
Na presença do Ser Supremo devemos reconhecer a nossa incompetência intelectual. Esta ideia é transmitida pela expressão "jugo". A analogia não é utilizada para sugerir um fardo; longe disso. É usada no sentido de que:
a) o animal não tem ideia do que está por trás da vontade do seu amo;
b) a submissão absoluta do animal;
c) o jugo é um meio de possibilitar que o animal cumpra as suas funções.

A nossa fé é baseada na Divina revelação e na outorga da Torá no Monte Sinai. Aceitamos a Torá no espírito de "Cumpriremos" (primeiro e (depois) "entenderemos" (Naassê v’nishmá). A última palavra, como também no caso do Shemá, não significa apenas "ouvir" ou "obedecer", mas também "entender". Por outras palavras, aceitamos a prática dos nossos preceitos como decretos do Supremo Mestre do Universo, na total percepção de que o nosso intelecto humano é limitado, e não consegue apreender a infinita sabedoria de D’us. Nós não sabemos, nem podemos saber, o efeito total do cumprimento das mitsvot, o que fazem por nós e para o mundo à nossa volta. Quaisquer explicações ou significados que possam ser atribuídos a qualquer mitsvá deve ser considerado incidental e incompleto.
O método científico é o primeiro a estabelecer os factos e então procurar explicá-los. Se uma explanação satisfatória é encontrada, muito bem; caso contrário, os factos ainda continuam válidos, mesmo que o segredo da sua origem não tenha sido descoberto.
É um facto estabelecido na vida judaica que onde os preceitos, costumes e tradições judaicos são observados com verdadeira submissão à sabedoria e vontade Divinas num espírito de humildade e fé, estes preceitos, costumes e tradições são preservados e perpetuados. Porém onde eles não são aceites neste espírito, e são sujeitos ao escrutínio intelectual numa busca incessante por uma explicação, e aceites porque apelam à razão ou à fantasia, ali os próprios alicerces do Judaísmo são minados (i.e., durante as perseguições religiosas na época das Cruzadas os judeus da Alemanha não puderam ser convertidos à força; eles morreram para santificar o nome de D’us ("Al Kidush Hashem"). Na Espanha, porém, onde a Inquisição pôs fim a uma era dourada de filosofia e pesquisa teológica, as perseguições religiosas levaram a, comparativamente, numerosas conversões).Além disso, dizem os nossos Sábios, "Aquele que afirma que esta tradição é boa, e aquela não tão boa assim, desacredita a Torá (e esta terminará sendo esquecida por ele – Rashi, Erubin, 64a). Devemos considerar todas as leis com igual santidade, pois elas foram todas dadas pelo mesmo Legislador, e todas vêm da mesma fonte.
Cobrir a cabeça tem sido observado por todos os judeus. Está declarado no Talmud que cobrir a cabeça está associado com Yirat Shamaim (piedade). Conta-se a história de um menino que era cleptomaníaco por natureza, mas em virtude de manter sempre a cabeça coberta e ser bastante cuidadoso a este respeito, a sua má natureza não o dominou. No entanto, quando o vento certa vez lhe desnudou a cabeça, ele imediatamente se tornou vítima da cleptomania (Talmud B. Shabat 156b).
Pode-se encontrar algumas inferências simbólicas na observância da prática de cobrir a cabeça, com base na declaração dos nossos Sábios acima mencionada, que cobrir a cabeça está associado com piedade. Por exemplo, manter a cabeça coberta demonstra e nos lembra sempre que há alguma coisa "acima" da nossa cabeça. Estas interpretações são úteis somente se, e enquanto, elas ajudam a preservar o preceito, mas de maneira alguma devem ser consideradas como o motivo para este preceito. O princípio básico em cumprir uma mitsvá é a percepção de que a cumprimos pela vontade e sabedoria de D’us.