A culpa judaica
Por Yanki Tauber“Quando construir uma nova casa, faça um parapeito para o seu telhado; para que não se derrame sangue na sua casa, quando alguém dali cair”- Devarim 22:8
Dentre as muitas mitsvot interessantes na leitura Ki Tetsê da Torá (Devarim 21:10-25:19) está a mitsvá de maakê – o mandamento de construir uma cerca ao redor do telhado, para impedir que alguém caia e se magoe. Na sua aplicação mais ampla, isso inclui a proibição de "criar um cão perigoso, ou manter em casa uma escada instável" – ter ou conservar em casa algo que possa causar ferimentos a outrem (Talmud, Bava Kama 15b).
Os comentaristas notam a curiosa terminologia empregada pela Torá – "quando alguém dali cair" (ki yipol hanofel mimenu). Rashi explica: "Embora essa pessoa mereça cair, você não deve ser a causa do seu ferimento."Um sujeito sobe ao meu telhado no meio de uma tempestade de neve, decide escorregar no beiral congelado, cai e quebra o nariz.
Eu poderia culpar a sua irresponsabilidade, poderia culpar o tempo, poderia culpar D'us (visto que nada acontece sem que D'us o deseje); em vez disso, diz a Torá, eu deveria sentir-me responsável. Dado o tipo de pessoa com quem estamos a lidar aqui, isso estava propenso a acontecer de qualquer maneira; porém o próprio facto de ter acontecido no meu telhado significa que é a minha responsabilidade – significa até que eu poderia ter impedido isso.
A "culpa judaica" entrou na literatura americana há meio século, e após dezenas de filmes de Woody Allen e Bernard Malamud, a ideia evoca uma caricatura de auto-culpa neurótica; o pai judeu que, sessenta anos depois, ainda acha que todos os fracassos do filho se devem ao facto de ele não ter comprado a bicicleta que o garoto queria no seu sétimo aniversário; a mãe judia que está convencida de que a sua incapacidade de impressionar a esposa do presidente da sinagoga marcou a sua família como párias sociais por todas as gerações; o rabino que acredita que todos os problemas do mundo são causados pelos pecados que ele próprio cometeu. Uma visão egocêntrica, falha e pessimista do universo.
Na verdade, é uma opinião egocêntrica, mas no sentido mais positivo do mundo. E em vez de ser falha e pessimista, é a mais encorajadora e optimista perspectiva da realidade na história do pensamento humano.Pense sobre isso: a noção de que nós, como criaturas com arbítrio, somos responsáveis por tudo que ocorre dentro de nosso domínio, também implica que temos controle sobre aquilo que acontece ali, que as nossas escolhas e acções fazem uma diferença.
A noção de que embora as minhas opções e meus actos cubram apenas uma área minúscula da vida de outra pessoa, e uma área ainda menor da história humana, aquilo que eu escolho e faço influenciará profundamente o destino do sujeito dançando no meu telhado, as realizações da comunidade da qual faço parte, e o curso do progresso humano no decorrer do tempo.
Aquilo que eu escolho e faço fará até a diferença entre a morte e a vida, entre o fracasso e o sucesso.O Rabi costumava dizer com frequência: se você vir o seu irmão judeu atravessando um caminho auto-destrutivo, e procurar endireitá-lo mas falhar, o erro é seu. O raciocínio por trás dessa conclusão é tanto profundo quanto simples.
Os nossos Sábios declararam que "as palavras que vêm do coração entram no coração". Portanto, se as suas palavras não entraram no coração dele, isso pode apenas significar que não foram faladas com completa sinceridade. Se você tivesse sido totalmente sincero – tivesse falado sem outro objectivo em mente que não o bem dele – as suas palavras teriam entrado no coração do sujeito e teriam tido o efeito desejado.
O princípio por trás da perspectiva do Judaísmo sobre a realidade é: Se D'us me colocou aqui, isso significa que eu posso fazer alguma diferença. O facto de que posso fazer uma diferença significa que é minha responsabilidade fazê-la. Significa também que eu tenho o poder de fazer isso – pois D'us não me coloca uma responsabilidade sem me dar a habilidade de executá-la com sucesso.
Jamais ficaremos livres da "culpa judaica" – está entranhada na nossa alma judaica, programada no nosso DNA espiritual. Mas como ela florescerá na nossa vida? Vai aflorar como um pessimismo neurótico e debilitante, ou como uma confiança na nossa capacidade de afectar realmente a nossa vida, a vida dos nossos irmãos, e o mundo em geral? Isso, obviamente, cabe a nós. E quanto mais entendermos a dinâmica desse senso de responsabilidade que carregamos na nossa alma – de onde ele vem e qual o seu propósito – mais conseguiremos concretizar a sua função positiva inata.
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