Novo Antisemitismo?
(continuação…3)
Que diferenças, em termos iconográficos, existem entre a primeira representação (uma imagem publicada recentemente no Blogue de Esquerda) e a segunda (ver especialmente o terceiro postal), ou ainda mais esta?Obviamente que alguns me dirão que são “muito diferentes”, mas a verdade é que uma discussão intelectual honesta terá de ir além da superfície e reconhecer, admitir mesmo, a essência das “fontes de inspiração”. Durante séculos, a teoria da “semente da serpente” – ainda hoje prevalecente entre “igrejas” e grupos para-religiosos antisemitas e racistas, como a Aryan Nations, a Ku Klux Klan e a World Church of the Creator, entre outras – professou que os judeus são descendentes da “relação adúltera de Eva com o Diabo”, que a terá tentado “em forma de serpente” (ver The “Christian Identity” Movement). Durante toda a Idade Média os judeus na Europa eram habitualmente identificados como “serpentes”, apontados com a progénie do Diabo. A imagem permaneceria adormecida no subconsciente colectivo até ser recuperada novamente pelos nazis. Agora, pelos vistos, volta a reaparecer, aos olhos de todos, como se fosse apenas mais uma “opinião”. Como se fosse inocente e tivesse nascido de geração espontânea. Ou da imaginação de um cartoonista ingénuo. Para uma reflexão interessante aconselho uma passagem, por exemplo, pela página de cartoons do “Movimento Nacional Socialista Chileno”, disponível aqui Dibujos y comics, e depois para ler um pouco mais sobre esta “organização”, clique-se aqui.Na minha opinião, é necessário e urgente analisar e expurgar estas relações incestuosas, esta promiscuidade entre as posições da nossa esquerda, mesmo quando assumidas em críticas legítimas, e um repugnante subconsciente antisemita que obviamente não só não foi apagado como se vê agora renascido com novas roupagens. E com estranhas e inóspitas alianças.A recorrente sensibilidade face às minorias, que perpassa o todo do discurso da esquerda, possui hoje uma fronteira rígida no que toca aos judeus. A homogeneização, o tomar o todo pela parte, o recurso ao simbolismo e imaginário do “velho” antisemitismo continuam a prevalecer entre aqueles que dizem defender os direitos humanos, os oprimidos e as minorias. Ao contrário do que muitos afirmam, o único ódio socialmente aceitável na era do politicamente correcto é o ódio ao judeu, ainda que muitas vezes encapotado e dissimulado como “crítica legítima”. Existem milhentas críticas legítimas a Israel, eu – e uma multidão de judeus comigo – serei dos primeiros a reconhecê-lo. Mas existem formas variadas de conceptualizar ideias e críticas, que não têm de passar pelo recurso às antigas e estafadas fórmulas judeofóbicas.Não deixa de ser curioso, irónico mesmo, que se argumente que hoje em dia “não se pode criticar os judeus”, não se pode “dizer mal de Israel”, que tudo isto é agora “proibido” em nome do politicamente correcto. “É preciso ter coragem e não ter medo” para criticar os judeus, escrevia recentemente o autor anónimo de um blog português. Na realidade, para qualquer observador honesto, o que verdadeiramente se passa é o inverso: politicamente correcto é dizer mal de Israel (muitas vezes apenas com reacções pavlovianas e mal informadas) e meter os judeus todos no mesmo saco. Politicamente incorrecto, infelizmente, é defender o simples direito de Israel existir. Ou falar do antisemitismo. A este respeito aconselho a leitura de um artigo de Melanie Phillips, intitulado Return of the Old Hatred reproduzido no dia 4 de Fevereiro no Contra a Corrente.Em Fevereiro do ano passado o rabino americano Michael Lerner, director da revista Tikkun e activista pela paz, foi impedido de discursar num comício contra a guerra no Iraque porque um dos grupos organizadores se recusou a aceitá-lo por causa das suas “posições pró-israelitas”. Quem alguma vez leu a revista Tikkun terá obrigatoriamente de ficar, no mínimo, boquiaberto. Acusado por alguma direita israelita – e da Diáspora – de ser um “traidor” por defender o fim da ocupação e o respeito pelos Direitos Humanos do povo palestiniano, Lerner era agora ostracisado também no seio da esquerda e do movimento pacifista americano. O seu “crime”: defender o direito à existência de Israel.Uma petição em favor do rabino foi publicada em vários jornais americanos, assinada por um grande número de figuras marcantes da esquerda norte-americana, entre eles o historiador Howard Zinn, o sociólogo Maurice Zeitlin; Marc Cooper, editor da revista The Nation, e os escritores Eric Alterman e Mike Davis (ver Let Anti-War Rabbi Michael Lerner Speak). A verdade é que o rabino Michael Lerner não falou no comício (para uma lista de artigos do rabino Michael Lerner ver Beliefnet.com).Um dos efeitos primários deste novo antisemitismo é precisamente este: o silenciamento e secundarização das opiniões moderadas de judeus e israelitas que não correspondam à “imagem” esteriotípica com que o discurso dominante vai pintando o judeu e o israelita. Em vez de alargar o diálogo e fomentar a discussão séria e honesta, restringe-se o todo a pinceladas de preto e branco sem espaço para as indispensáveis tonalidades intermédias.O caso do rabino Lerner, a meu ver, é paradigmático quando enquadrado num contexto ainda mais vasto: a “coligação pacifista” – com organizações como a A.N.S.W.E.R. (Act Now to Stop War & End Racism!) – que liderou a oposição nas ruas da América à intervenção militar da Casa Branca no Iraque era composta por grupos que inicialmente se juntaram para organizar manifestações públicas contra a globalização, nomeadamente em Seattle (ver Globalization Foes Plan to Protest WTO’s Seattle Round Trade Talks).Outro exemplo: o Fórum Social Europeu publicou, em finais de Outubro passado, no seu site na Internet um texto abjecto de Tariq Ramadan, académico e islamista suíço, onde este fazia uma lista de jornalistas e intelectuais judeus franceses acusados de participarem numa “conspiração mundialista” – a sua publicação tinha sido recusada antes pelos jornais Le Monde e Libération (ver Tariq Ramadan accused of antisemitism). Bernard-Henri Lévy, um dos intelectuais visados, responderia em Novembro com um artigo no Le Monde intitulado L’autre visage de Tariq Ramadan.Anos antes uma lista semelhante com acusações idênticas às agora veiculadas por Ramadan provocara uma intensa onda de polémica em França, merecendo uma condenação unânime da Imprensa, do poder e da comunidade intelectual. O seu autor: Jean-Marie Le Pen.Considero o texto de Bernard-Henri Lévy fundamental por várias razões – não só por chamar a atenção para o “lado negro” de Ramadan (mitificado pelos media francófonos como um exemplo acabado de “islamista moderado”), mas também pelo alerta que faz às ligações perigosas que se vão tecendo no seio do movimento anti-globalização.Sob a capa “altermundialista”, de oposição legítima e fundamental à globalização e ao que ela poderá representar, assiste-se hoje a uma mistura de retóricas tradicionalmente de traços antagónicos. Hoje, segundo Alain Finkelkraut, “o discurso do antisemitismo foi absorvido pelo discurso do anti-racismo; o novo antisemitismo cortou com as raízes do antisemitismo clássico e vem agora de pessoas que falam de valores humanistas, do altruísmo e da democracia”.O novo antisemitismo une hoje “camisas castanhas”, “vermelhos” e “verdes” (a “aliança castanha-vermelha-verde”, como lhe chama o académico francês Roger Cukierman), num caldo até há pouco inconcebível do ponto de vista teórico e prático. Num trabalho intitulado Antiglobalism’s Jewish Problem, publicado numa das últimas edições da revista Foreign Policy (uma versão condensada foi publicada pela Australian Financial Review ), Mark Strauss escreve: “O novo antisemitismo é único porque cose sob uma bandeira comum as várias formas do antigo antisemitismo: o conceito de judeu detido pela extrema-direita (a quinta coluna, leal apenas a si próprio, sabotador da soberania da economia e da cultura nacional), o conceito de judeu detido pela extrema esquerda (capitalista e usurário, controlador do sistema económico internacional) e o antisemitismo histórico e religioso (o do judeu assassino adaptado hoje como opressor colonialista).”As teorias de conspiração que marcaram o dogma antisemita do século XIX – que acabaria por produzir o tristemente célebre Protocolos dos Sábios de Sião – encontram agora eco entre muitos daqueles que combatem a globalização. A simpatia pela causa palestiniana é um forte elo de ligação entre os “verdes” e os “camisas castanhas”.“Eles estão a tentar impor um sistema de apartheid nos territórios ocupados”, afirmou o emblemático líder altermundialista francês José Bovè depois de uma visita a Ramallah em 2002.“Aqui, a questão saliente nem sequer é: o que é que os activistas anti-globalização têm contra Israel? Mas, sim, é importante perguntar: Porquê só Israel? Porque não viajou Bovè até à Rússia para demonstrar a sua solidariedade para com os separatistas muçulmanos chechenos, que lutam a sua própria guerra de libertação? Porque circulam nas universidades petições para que não se invista em companhias com laços com Israel, mas não com a China? Por razão as manifestações que denunciam as tácticas de Israel contra os palestinianos ficam silenciosas em relação aos milhares de muçulmanos mortos em pogroms em Gujarat, na Índia?”, interroga-se ainda Mark Strauss no mesmo artigo.
É verdade, e urge realçar, que muitas NGOs anti-globalização fizeram já soar o alarme, reconhecendo a infiltração de neo-nazis e do ideário antisemita no seio do movimento anti-globalização. Mas como escreve Mark Strauss, o movimento em si não está livre de culpas. “Não sendo intrinsecamente antisemita, mesmo assim tem ajudado os antisemitas ao propagar teorias da conspiração.”E onde há conspiração há conspiradores – e inevitavelmente, porque assim tem sido ao longo dos séculos, o dedo acusatório antisemita volta-se contra os judeus, os eternos “manipuladores da alta finança”.Por ser de esquerda (será necessário mostrar aqui o cartão do meu partido?), sinto tudo isto ainda mais de perto. Este “socialismo dos tolos” torna agora real o que muitos consideravam simplesmente inconcebível, juntando do mesmo lado da barricada, por exemplo, algumas posições do Bloco de Esquerda e as opiniões dos skinheads neo-nazis que, em 1992, na Rua da Palma, mataram José Carvalho.Dirão que estou a exagerar. Deixem-me então levar-vos numa pequena “visita guiada” por este “lado negro” do movimento anti-globalização. Visite-se a página da auto-proclamada Anti-Globalism Action Network (ver Anti-Globalism Action Network - a front for fascists), que se descreve como “um colectivo de activistas anti-globalização que trabalham no sentido de alargar o movimento anti-globalização de forma a incluir vozes divergentes e marginalizadas”. E que vozes são essas? Basta ir à página de links do site. Dos dois links disponíveis, o segundo leva-nos até ao site da National Alliance, a maior organização neo-nazi dos Estados Unidos, que mantém laços com grupos neo-nazis e “supremacistas brancos” de todo o mundo.Mais uma citação do texto de Mark Strauss: “A oposição às políticas do governo de Israel não transforma automaticamente a esquerda em antisemitas. Mas um movimento em campanha por uma justiça social global arrisca-se a cair no ridículo ao condenar unicamente o estado Judaico. E quando as mentalidades conspiracionistas do movimento anti-globalização se misturam com a retórica anti-Israel, os resultados podem ser muito feios. Bovè, por exemplo, disse a um repórter que a Mossad, os serviços secretos israelitas, eram responsáveis pelos ataques antisemitas em França de forma a distrair as atenções das acções do seu governo nos territórios ocupados. (…) Por todo o mundo, manifestantes carregam placards comparando Sharon a Hitler e acenam bandeiras israelitas onde a estrela de David é substituída pela suástica. Estas manifestações apontam Israel como responsável único pela violência, ignorando centenas de israelitas que morreram vítimas de ataques suicidas e o papel da Autoridade Palestiniana no fomentar do conflito. Para mais, comparar Israel ao Terceiro Reich é a mais básica forma de revisionismo histórico do Holocausto, fazendo passar a mensagem de que a única “solução” para o conflito israelo-palestiniano é a completa destruição do estado Judaico. Naomi Klein, escritora e activista anti-globalização, tem falado publicamente contra estas comparações, mas ela está em franca minoria. Os mesmos movimentos anti-globalização que se orgulham em fazer contra-protestos face aos neo-nazis que infiltram as suas manifestações, dão os braços a manifestantes que exibem suásticas em nome dos direitos dos palestinianos.”O dualismo simplista vitima/opressor cega agora aqueles que o propagam em relação às atrocidades cometidas pelos oprimidos. E reacende os velhos ódios antisemitas
No Guardian, a colunista Julie Burchill escreveu uma série de dois artigos sobre o antisemitismo (Good, bad and ugly e The hate that shames us), no primeiro pode ler-se: “ataques contra judeus neste país [Reino Unido] subiram em 75% este ano; desde 2000 registou-se um aumento de 400% em ataques a sinagogas.” Os números são oficiais e paralelos ao que se regista em França, na Itália, na Alemanha, na Áustria. Qualquer debate honesto sobre o tema do antisemitismo actual tem de levar isto em conta. Pode de alguma forma a solidariedade para com a causa palestiniana justificar a vandalização de sinagogas e cemitérios judaicos? Podem as acções do governo de Sharon servir de justificação para que qualquer judeu de Paris tema andar de metro, com receio de ser atacado, de lhe cuspirem em cima, de ser insultado? (ver “Mostrem a estrela amarela com orgulho!”)Este é um dos problemas do argumento dos que afirmam que não existe um novo antisemitismo, ou daqueles que tentam estabelecer fronteiras claras entre uma coisa e outra. Dizer que a culpa do “ressentimento contra os judeus” que actualmente se vive na Europa é de Israel, da miopia política de Ariel Sharon, é simplesmente querer tapar um elefante com um lenço de assoar e fingir que ele não existe. Dizer que “a culpa é de Israel”, sem tentar perceber o que está por detrás desta violência é, no mínimo, irresponsável. Tentar encontrar justificações morais para o ódio, desculpabilizá-lo com racionalizações irreflectidas e pavlovianas, é ainda pior.A Amnistia Internacional nasceu, em 1961 como consequência de uma notícia lida num jornal britânico pelo advogado Peter Benenson. A notícia falava de dois estudantes portugueses detidos depois de terem brindado à Liberdade (ver Amnesty International – The first 40 years). Como nos sentiríamos nós se todos os portugueses espalhados pelo mundo tivessem sido corresponsabilizados? Será que poderíamos ter minimizado ataques contra emigrantes portugueses em Newark, Pretória, Paris, Londres, Genebra, Bruxelas ou Sidney? E não me venham dizer que a nossa “colonização exemplar” não teria fornecido motivos mais do que equiparáveis. A verdade é que um mal não pode nunca justificar outro.É esta cegueira selectiva que me assusta. É esta “banalização do mal” que me preocupa. Em 1963, no livro Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil, Hannah Arendt traçou o perfil original e polémico de Eichmann como um burocrata que cumpriu o seu dever e que seguiu ordens sem reflectir. Para ela, a monstruosidade do comportamento de Eichmann não se deveu a uma vontade sádica. Longe de corporizar um “mal radical”, Eichmann era o paradigma da “banalização do mal”. Esta caracterização do responsável nazi daria origem ao poema All There is to Know About Adolph Eichmann, de Leonard Cohen, (do livro Flowers for Hitler, 1964). Hoje não podemos cair no mesmo erro. Não nos podemos deixar engolir em “espirais justificativas” que não fazem mais do que banalizar e defender o indefensável. E isto, mais uma vez, aplica-se aos dois lados do debate no conflito israelo-palestiniano.
“Muitos argumentam que os judeus, que outrora foram vítimas, se transformaram em vilões no palco mundial, que Israel chamou o novo antisemitismo sobre si própria ao aliar-se aos interesses imperialistas americanos. Que esse ódio de Israel é “justificado”. À parte da perigosa prática corrente de juntar indiscriminadamente os judeus às políticas de Israel, há uma questão lógica que ressalta desta linha de raciocínio: se o ódio dos árabes e muçulmanos em relação a Israel é justificado, então o ódio judeu a árabes e muçulmanos por causa do antisemitismo é também “justificado”? Se isso é verdade, então onde nos leva todo este ódio “justificado”?”, escreve Miriam Greenspan, na revista Tikkun.Esta citação torna evidente, entre outras coisas, os desníveis deste debate. Mais um exemplo. Quando aqui há algumas semanas escrevi um post sobre o penúltimo atentado em Jerusalém, decidi publicar os nomes das vítimas. Como consequência, foi criticado por ter “uma visão parcial” e “pouco objectiva” ao “esquecer” as vítimas palestinianas do conflito. Resta-me deixar uma pergunta no ar: será que os mesmo que criticaram esta minha “parcialidade” escrevem também para os jornais e para os blogs que incessantemente insistem em ignorar as vítimas israelitas? E ainda outra: Se umas vidas não valem mais do que outras porque razão se continua a insistir num discurso que faz prevalecer esse mito?
PORTUGAL
Já li em vários lugares, incluindo na blogosfera, que hoje em dia não existe antisemitismo em Portugal e que este debate é perfeitamente supérfluo. Apesar de morar fora do país desde Junho de 1994, tenho sérias dúvidas que esta análise esteja correcta. Infelizmente, tendo a acreditar que a realidade é bem diferente. Será que poderia andar completamente em paz pelas ruas de Lisboa ou do Porto com um kippá na cabeça? Nós portugueses tendemos a olharmo-nos ao espelho das nossas próprias mitologias. A que nos apelida de “povo de brandos costumes”, apesar de errada, prevalece.Um exemplo rápido e demonstrativo. Depois de ter ler um texto profundamente antisemita deixado por um leitor numa caixa de comentário do blog Cruzes Canhoto, resolvi fazer o que por norma não faço e ripostei com sarcasmo. Horas depois, na mesma caixa de comentários, o autor da prosa que motivara a minha resposta volta à carga: “(…)Quanto a ti Nuninho, (…) sinceramente eu preferia que emigrasses para Israel e tivéssemos todos a sorte de estares dentro de um autocarro durante “o horário de trabalho” da malta do Hamas. Rui Pereira.” Receio que não seja necessário qualquer comentário.Convém sublinhar que o Cruzes Canhoto nada teve a ver com esta manifestação de ódio primarista, antes pelo contrário. O autor do blog (J.) viria a condená-la fortemente.Dizer que o antisemitismo não existe em Portugal é, no mínimo, ingénuo. Durante a minha adolescência tive uma alcunha que me acompanharia para sempre. Eu era “o judeu”. Como nunca neguei as minhas raízes e sempre tive orgulho delas, recebi-a inocentemente como um elogio. Mas todos sabemos que “judeu” continua a ser atirado como um insulto. Tal como a própria palavra “judiaria”. Não é necessário ler Freud nem Carl Jung para perceber que estas coisas não se apagam facilmente.
A necessidade da paz entre israelitas e palestinianos é inegável, essencial e urgente. Mas enganam-se os que acreditam que com ela virá também o fim do antisemitismo. O Paquistão serve aqui de exemplo – um país sem judeus, que nunca teve qualquer contacto com judeus, afastado do Médio Oriente, é hoje uma das maiores fontes de propagação do antisemitismo.Ao mesmo tempo, como Mark Strauss escreve na revista Foreign Policy, quando se chegar a uma paz real, as condições conducentes à propagação do antisemitismo não irão desaparecer de forma milagrosa. Os governos árabes continuam avessos a reformas políticas e económicas sérias no sentido de abrir as suas sociedades e retirar os seus cidadãos da pobreza endémica. E o ódio, esse, dificilmente será extirpado por completo.À lógica dos conflitos, especialmente neste caso imensamente complexo, não se podem aplicar os mesmos princípios das paixões irracionais que gerem, por exemplo, o clubismo. Isto é verdade especialmente para nós, que estamos de fora.O diálogo, apesar de fundamental, também nunca será uma solução em si mesmo. Além das palavras são precisos actos. Dentro e fora de Israel. Dentro e fora da Palestina. E depois dos actos, é preciso tempo. Porque, como escreveu o poeta israelita Yehuda Amichai, “história leva anos e anos a fazer”. E a desfazer também.
Artigo terceiro e final
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