24.10.09

Todo o judeu é um sobrevivente

Entrevista com o ex-Rabino Chefe de Israel, Rabi Yisrael Meir Lau – que quando criança sobreviveu a Auschwitz – por ocasião da comemoração do 60º aniversário da libertação de Auschwitz.

Como foi recitar o kadish em Auschwitz?
Rabino Lau: Este é o túmulo mais vasto da história do povo judeu. Quando recitei o Kadish não vi os Presidentes de Israel, Polônia, Rússia, Ucrânia, França, ou o Vice-Presidente Cheney, todos ali presentes na ocasião. Meus olhos estavam fechados, e vi os meus queridos irmãos e irmãs, a descerem dos vagons, e sujeitarem-se à "seleção" do famoso Mengele. Vi quando eram despojados de todos os seus pertences, levados para as câmaras de gás. Pude ouvi-los recitando Shemá, cantando “Ani Ma'amin” (“Eu creio”). Vi o meu pai em Treblinka na entrada para as câmaras de gás, junto com 28.000 judeus da minha cidade, Pietrekov, e ao lado deles mais alguns milhares da vizinha Parshov. Viveram como um e morreram como um. Em nome de todos os sobreviventes eu recitei para os mártires "Yisgadal Beyiskadash Shmai Raboh…"

Qual a sua mensagem para a juventude de hoje?

Lau: Em 1982, visitei Nova York como Rabino Chefe de Netanya. Eu tinha programado encontrar-me com o então Prefeito Ed Koch. Meu irmão Naftali, que na época era Cônsul Geral de Israel em Nova York, preparou-me para a reunião. Contou-se sobre o passado do Prefeito, nascido no Bronx, etc. Quando o conheci, ele estendeu a mão e disse: "Sei que é um sobrevivente. Eu também sou." Perguntei-me como alguém nascido e criado em Nova York pode dizer-se um sobrevivente. O Prefeito Koch, como se estivesse lendo a minha mente, disse: "É verdade que nasci nesta grande cidade e agora sou o Prefeito, mas há poucos anos fui convidado a visitar algumas grandes cidades na Alemanha. Fui levado a um museu em Berlim, e vi um globo enorme, que pertenceu a Hitler. Vi pequenos números escritos em preto por todo o globo, e perguntei o que significavam. Disseram-me que quando Hitler subiu ao poder, pediu aos seus conselheiros que pesquisassem o número de judeus em cada país no mundo inteiro. Até a Albânia tinha um número escrito por cima: um.
Sobre os Estados Unidos estava escrito 5.500.000. O seu objectivo, a sua "solução final", era a completa aniquilação do povo judeu. Dentre os 5 milhões e meio de judeus nos Estados Unidos assinalados no globo de Hitler estava um menino chamado Ed Koch. Portanto, também sou um sobrevivente. Se as bestas nazistas não tivessem sido derrotadas na Europa, os judeus do mundo inteiro teriam o mesmo destino que os seis milhões." Agradeci ao Prefeito pelas suas palavras, e as repito com freqüência, principalmente para a geração mais jovem. Os nossos Sábios dizem: "Em toda geração a pessoa deve considerar-se como tendo saído do Egipto." Na nossa geração, todos devem considerar-se sobreviventes. Sim, você está a duas, três gerações depois, mas estaria vivo, se Hitler tivesse conseguido o seu intento?!

Em termos de números, a assimilação é mais dispendiosa à vida judaica que o Holocausto na Europa. Como devemos alertar os judeus do mundo inteiro sobre isso?

Lau: Somente através da educação judaica. Digo às pessoas que a assimilação equivale a entregar a Hitler a vitória (D'us não o permita). Assimilação e casamentos mistos não apenas afectam a vida dos actuais judeus, como também corta as futuras gerações de judeus, exactamente o objetivo da "solução final". Portanto, se acha que os nazistas merecem a vitória, vá em frente. Mas eu sei que não há um só judeu no mundo que concordaria com isso. A suprema vitória contra o Nazismo é a continuidade judaica, e continuidade judaica significa educação judaica.

Durante a comemoração o seu irmão Naftali estava consigo. Poderia dizer-nos algumas das palavras que trocaram?

R. Lau: Muitas e muitas vezes nos perguntamos como pudemos sobreviver a isso? O frio, a fome, a perseguição, as humilhações, a separação um do outro. Eu estava no bloco 8 e ele no bloco 52. Os problemas não terminaram após a libertação. O meu irmão contraiu tifo, e ficou alheio a tudo durante dias. Pensávamos que ele jamais se recuperaria, como foi o destino de 60% dos sobreviventes de Buchenwald. E aqui estamos nós, com lares e famílias aos quais retornar. Faltam palavras para expressar o profundo senso de ser um milagre vivo.

Ao conversar com outros sobreviventes, ouviu alguma coisa que ainda não sabia?

R. Lau: Gostaria de mencionar algo importante que ouvi. No passado, muitos sobreviventes tinham se distanciado da vida judaica, mas muitos relataram como mais tarde, se reconectaram com as suas raízes. Este é um fenómeno que está a espalhar-se e por algum motivo não tem sido relatado. Talvez seja a idade, talvez seja a antecipação do dia do Julgamento Final, ou talvez seja que quanto mais longe se fica da montanha, melhor se vê, a sua perspectiva é mais ampla. Qualquer que seja a razão, o Shabat, tefilin e talit há muito abandonados estão a ser redescobertos. Eles não querem afogar-se nas águas do secularismo e do cinismo, com um corpo íntegro e uma alma perdida, ao contrário daqueles que pereceram com o corpo queimado, mas a alma intacta. Eles estão procurando reconectar a sua alma.

Esta comemoração pode ser usada para inspirar o judeu de hoje?

R. Lau: Esta lembrança precisa unificar o povo judeu. Os perpetradores do Holocausto não diferenciaram entre um judeu e outro. Instruído ou ignorante, mais ou menos observante, eles foram todos iguais na morte pelos nazistas. A lição é bastante clara: se somos todos judeus que morreram como um só, somos obrigados a viver como um. Precisamos sentir-nos como somos todos "areivim" (responsáveis) um pelo outro. A palavra areivim significa não apenas responsável, mas doçura em cada um de nós.