11.5.09

Uma bandeira num palito


Nas semanas anteriores ao Dia da independência – comemorado este ano na última semana de Abril – vendedores de ocasião aproveitavam para ganhar uns trocos nos principais cruzamentos do país, vendendo pequenas bandeiras para colocar nos vidros dos automóveis. Sucesso (e dinheiro) garantido. Varandas, árvores, cercas e janelas das casas cobriram-se das cores nacionais. Ainda na pré-escola, as crianças aprendem uma alegre canção que as ajuda a identificar-se com a bandeira nacional: Ha'deguel sheli hu kahol ve'lavan!... (A minha bandeira é azul e branca!...). Os símbolos nacionais não são rodeados de um tabu como em Portugal e outros países. Aqui, a bandeira e o escudo com as insígnias do Estado de Israel são usadas numa enorme parafernália de objectos turísticos: postais, borrachas e lápis (com a consequente "extinção" da bandeira por via do uso), T-shirts ou até chinelos de praia. Abrenúncio, sujar a bandeira das quinas com o pó da rua! A paixão e ostentação da bandeira é um fenómeno que em Israel dura o ano inteiro. Não é uma febre passageira dependente do feriado da Independência – ainda que tenha o seu pico nesta época. Em Portugal, apenas me lembro de uma febre destas por alturas do Euro’2004 quando o treinador Scolari apelou aos portugueses para cobrirem o país de vermelho e verde. O apelo de Scolari – foi preciso um brasileiro para apelar à paixão lusitana – foi um sucesso. Em especial para os supermercados. Algumas bandeiras mantiveram-se nas casas, mas com o distanciar da festa e as agruras dos elementos, poucas sobreviveram ao primeiro Inverno. Eu, que nunca fui muito dado a clubismos e nacionalismos e que, em 2004 apenas pela emoção das vitórias da equipa portuguesa segui o rebanho dos decoradores de janelas com a bandeira das quinas, não decorei este ano a janela de casa com a "azul e branco". Porém, alguns dias antes do Dia da Independência, a caminho da yeshiva encontrei uma pequena bandeira num palito, caída no chão. Coloquei-a no fecho da minha mochila. Só durou uma tarde, até um menino atrevido a ter topado no autocarro. "Posso?", perguntou ele, cobiçando a minha bandeira-miniatura. "OK…" deixando-o tirá-la e brincar com ela. A mãe não ficou muito entusiasmada e alguns minutos depois, farto de girar e balançar a bandeirinha no seu micro-mastro, o miúdo devolveu-a ao seu lugar no fecho da mochila. Desajeitado, partiu o palito que a sustentava. Guardei os despojos da mini kahol ve’lavan e em casa deitei-os no lixo. Naquele final de tarde, enquanto viajava de autocarro para Gilo, a fim de chegar ao cruzamento onde costumo pedir boleia para Alon Shevut, observei os bairros árabes de Beit Safafa e Sharafat, que ladeiam a grande subida de Gilo. Nem uma bandeira de Israel. Ali, as cores e as bandeiras serão outras, mas também não serão as verdes do Hamas. As fidelidades dos habitantes locais estão – secretamente – divididas. As sondagens efectuadas nas comunidades árabes de Israel demonstram que apesar de a maioria se sentir descriminada de alguma maneira pelo Estado, ainda assim a grande maioria prefere viver em Israel do que em qualquer outro país. Se existe algum apreço pela nação onde vivem, nenhum o declara. Nos bairros árabes, as paredes têm ainda mais ouvidos. Nos últimos dias, uma nova bandeira tomou conta dos postes de iluminação pública em Jerusalém: a "branco e dourado", do Vaticano. A próxima visita do Papa à Terra Santa é a razão para a nova decoração das ruas. (Ah, os condutores já começam a perguntar quando chega o apifior – papa, em hebraico. Prevêem-se engarrafamentos monumentais numa cidade complicada até nos dias normais.) E quando o visitante for embora, as bandeiras vaticanas serão rapidamente substituídas por mais uma dose de "azul e branco". Até à visita do próximo VIP.Em Israel, ao contrário do que acontece em Portugal, a bandeira nacional é um objecto do quotidiano. Está em todo o lado. Um turista que chegue ao país depara-se, logo à saída do aeroporto de Tel Aviv, com dezenas de bandeiras que decoram a auto-estrada que conduz ao terminal. Em cada poste de iluminação pública, duas bandeiras. Os próprios postes já são construídos com um dispositivo colocado a meia altura que permite fixar as faixas. Na auto-estrada para Jerusalém – ou para qualquer outro lugar – contam-se milhares de ondulantes kahol ve’lavan, ou "azul e branco".

* artigo publicado no blog Clara Mente