28.2.09

QUEM SOU EU?


“Yankele morava na cidade de Varsóvia. Apesar de ser uma boa pessoa, ele era muito tolo. Às vezes chegava a passar dos limites, como no dia em que decidiu ir, pela primeira vez, a uma casa de banho.. Enquanto ele se preparava, começou a refletir e um grande temor tomou conta dos seus pensamentos. Ele lembrou que quando todos estão de roupa é fácil saber quem é quem, mas numa casa de banho, quando todos estão nus, como fazer para reconhecer as pessoas? Ficou com medo de se perder no meio dos outros e não saber mais quem ele era. Após pensar muito, chegou a uma brilhante solução: amarraria um barbante vermelho ao dedo do pé. Assim, mesmo sem roupa, poderia saber quem ele era. Mas a idéia transformou-se num desastre. No meio do banho, sem que o Yankele percebesse, o barbante caiu e ficou preso ao dedo de uma outra pessoa. Quando Yankele olhou para o pé e descobriu que o barbante não estava, ficou desesperado. Procurou pelo chão da casa de banho até que finalmente viu o barbante vermelho no dedo do outro homem. Foi até ele e perguntou:

- Eu sei quem é você, Yankele. Mas por favor ajude-me, quem sou eu?” Será que sabemos quem nós somos de verdade? Somos apenas um corpo ou somos mais do que isso?

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Na Parashá desta semana, Terumá, D’us começou a instruir Moshé sobre a construção do Mishkan, o Templo Móvel que acompanhou o povo judeu durante todos os anos no deserto e que foi substituído, muitos anos depois, pelo Beit Hamikdash (Templo Sagrado). A Torá descreve cada pequeno detalhe do Mishkan e dos utensílios que eram utilizados no serviço espiritual, tais como o Aron Hakodesh (Arca sagrada), a Menorá e o Mizbeach (altar onde eram oferecidos os sacrifícios). Mas, se atualmente o Mishkan não existe, porque a Torá se alongou tanto nestes detalhes? Muitas vezes lemos a Torá como se fosse um simples livro de histórias que nos transmite alguns ensinamentos morais. Mas isso é um grande erro, a Torá é chamada “Torat Chaim” (Instruções de Vida) justamente porque em cada versículo e em cada palavra estão contidos muitos ensinamentos de como viver da maneira correcta. Um exemplo é o início desta Parashá, que começa por descrever os detalhes do Aron Hakodesh. Ele era feito com madeira de acácia e era totalmente coberto de ouro, por dentro e por fora. Para que servia o Aron Hakodesh? O versículo diz: “Deve colocar na Arca Sagrada as Tábuas do Testemunho (as 2 tábuas contendo os 10 Mandamentos) que Eu vos darei ” (Shemot 25:16), isto é, o Aron Hakodesh era o local onde a Torá deveria ser guardada. Seguidamente, a Parashá começa a descrever os detalhes da tampa do Aron Hakodesh, que continha dois Kerubins (anjos) de ouro, e sobre a tampa está escrito “...e deve colocar a tampa sobre a Arca Sagrada por cima, e na Arca Sagrada deve colocar as Tábuas do Testemunho que Eu vos darei” (Shemot 25:21). Mas se já havia sido dito que o Aron Hakodesh tinha como função receber as Tábuas do Testemunho, porque a Torá precisou de repetir isso poucos versículos depois? Explica Rashi que não há nada na Torá escrito desnecessariamente. A repetição do versículo vem nos ensinar uma lei importante: é proibido colocar a tampa sobre o Aron Hakodesh sem que as Tábuas estejam lá dentro. Porquê? A Torá ressalta, que apesar do Aron Hakodesh ser feito de madeira nobre e estar completamente coberto de ouro, ele não tem nenhum valor intrínseco. O verdadeiro valor do Aron Hakodesh é como o utensílio onde os Mandamentos de D’us devem ser guardados. Sem as Tábuas, o Aron perde completamente o seu valor. Este ensinamento não se aplica apenas para o Aron Hakodesh, mas também para as nossas vidas. Actualmente as pessoas gostam de se sentir livres, gostam de se vestir como têm vontade. No carnaval é um grande orgulho ter um belo corpo e poder expô-lo no meio da avenida, sob os olhares de milhares de pessoas. Quem se preocupa em cobrir o corpo com roupas recatadas? A Tzniut (recato), uma das bases do judaísmo, aparentemente tornou-se obsoleto. Mas é justamente o contrário, nada é tão moderno e actual quanto a Tzniut. Qual é a lógica por detrás da Tzniut? A mesma lógica do ensinamento do Aron Hakodesh. Temos um corpo e fazemos de tudo para mantê-lo bonito e jovem. Pessoas gastam cada vez mais dinheiro em cirurgias plásticas rejuvenescedoras, e muitas vezes expõem-se a grandes riscos para diminuir algumas gordurinhas. E o que era exclusividade feminina invade também a ala masculina através dos "metrosexuais", isto é, homens cuja vaidade os faz passar horas por semana em cabeleireiros, manicures e massagistas. Vivemos numa época que somos escravos da estética, e as modelos das passarelas definem os parâmetros de beleza. Mas surge uma grande pergunta: quem somos nós de verdade? Somos apenas este corpo de carne e osso, que um dia voltará ao pó? Pois nada é certo na vida, a única coisa que podemos garantir com certeza é que um dia a vida chegará ao fim. E depois? Quanto vale a pena investir em algo que, mais cedo ou mais tarde, perderá o seu esplendor? O judaísmo ensina-nos, que não somos um corpo. Uma pessoa sem um braço não se torna menos pessoa. O nosso verdadeiro “eu” é a nossa alma, infinita, parte do Criador do mundo. O corpo não tem valor intrínseco, é apenas um utensílio onde foi colocada a nossa alma para que possamos cumprir o nosso papel no mundo. Portanto não há erro maior do que dar mais importância ao corpo do que á alma. Investimos horas nos ginásios e no salão de beleza, mas quanto tempo investimos na nossa alma infinita? É justamente este o ponto da Tzniut. Quando a Torá nos fala sobre o recato, é um lembrete constante do que é o principal e o que é o secundário. Tzniut não é abandonar a vaidade nem o cuidado com o corpo, pois a Torá exige que cuidemos do nosso corpo e da nossa saúde. Mas viver como escravos da estética leva a pensar que nós somos apenas um corpo, limitando o nosso potencial infinito. Muitas pessoas gostariam de ser admiradas pelo seu verdadeiro potencial, mas, influenciadas pela sociedade, acabam por vender ao mundo apenas o seu visual. Cobrir o corpo com roupas recatadas é mais do que cumprir uma Mitzvá da Torá. É falar em tom alto para todos, incluindo nós mesmos, que valemos muito mais do que um corpo finito. Valemos uma alma infinita.

Rav Efraim Birbojm