Proporcionalidade e direitos humanos
O drama que estamos a viver na faixa de Gaza – com uma população civil já por demais martirizada a ser vítima de uma violenta guerra – suscita naturalmente, em todos os que têm na defesa dos direitos humanos uma preocupação primeira, a maior das consternações.
É verdade que é o Hamas que, de forma repetida, tem mantido uma crescente faixa de Israel sob o contínuo bombardeamento de mísseis, para além de levar a cabo operações militares contra o exército israelita, como é também verdade que foi o Hamas que resolveu, de forma unilateral, romper a trégua que tinha sido estabelecida. Contudo, perante a desproporção de meios militares e de vítimas causadas pela guerra em ambos os lados, é natural que a generalidade da opinião pública europeia considere estarmos perante uma tremenda falta de proporcionalidade, tanto quanto aos meios como quanto aos efeitos.
Também eu considero que esta guerra não irá contribuir para derrotar o fanatismo religioso terrorista de que o Hamas é apenas uma expressão local mas, pelo contrário, tenderá a reforçar a ideologia do terrorismo suicida (que os seus ideólogos denominam de "martírio").
O problema, aqui como em várias outras circunstâncias, é o de saber quais são as alternativas, e elas não apareceram até hoje, nem da parte do mundo árabe, nem da parte da União Europeia ou dos EUA. A experiência da última década demonstrou até à saciedade que para as organizações satélites do Irão a única solução aceitável é o extermínio de Israel. Cada vez que Israel recuou e entregou territórios ou prisioneiros, o único efeito que obteve foi incentivar a pressão contra si, nunca houve qualquer esforço para chegar a qualquer consenso.
Portanto, se excluirmos mais recuos unilaterais, teríamos de ter políticas muito mais inteligentes, que passassem nomeadamente pela colaboração dos países vizinhos, da Autoridade Palestiniana e da comunidade internacional na construção de alternativas viáveis para a população de Gaza ao fanatismo do Hamas. O certo é que isso não aconteceu e, portanto, a situação que vivemos agora é o resultado dessa ausência de alternativas.
Posto isto, é absolutamente inaceitável que a opinião pública internacional esteja a tentar não ver aquilo que é cada vez mais óbvio: a lógica do Hamas é exactamente a de sacrificar os seus civis como capital político para denegrir Israel, e tem-no feito de forma cada vez mais explícita.
Quando um alto dirigente do Hamas foi morto por um míssil em sua casa, acompanhado das suas quatro mulheres e vários descendentes, dias depois de começado o conflito e quando Israel tinha feito saber que iria procurar eliminar todos os dirigentes do Hamas que pudesse, a reacção daquele movimento foi de elogio. Ou seja, em vez de lamentar que perante uma situação de elevadíssimo risco um dirigente do Hamas pusesse em tão grande perigo a sua família, considerou que se tratava de uma atitude exemplar.
O Hamas está de forma deliberada a utilizar escolas, mesquitas e hospitais como plataformas para a sua guerra, exactamente com o objectivo de transformar o massacre da sua população civil em armas contra os seus inimigos, materializando a ideologia do terrorismo suicida na sua fórmula mais abjecta.
Para Israel, como tem sido claro, o valor da vida dos seus cidadãos é absoluto e tem feito tudo o que lhe é possível – e no caso da troca de prisioneiros, do meu ponto de vista, mesmo aquilo que nunca deveria ter feito – para preservar essas vidas.
Exigir "reciprocidade" nestas circunstâncias não tem qualquer sentido. Como dizia Rafsanjani – um dos antecessores de Ahmadi-Nejad – se um dispositivo nuclear israelita liquidar quatro ou cinco milhões de iranianos ainda haverá muitas dezenas de milhões de iranianos sobreviventes, mas em sentido inverso, isso significará o fim de Israel.
É aliás a mesma ideia que outro dos dirigentes do fanatismo religioso, Osama Bin-Laden, já tinha tornado célebre: enquanto vocês amam a vida, nós amamos a morte, ou se quisermos, um aggiornamento da velha expressão fascista: Que viva la muerte!
A lógica última da "reciprocidade" é a de tornar eficaz a ideologia do terrorismo suicida e é por isso que não devemos cair na armadilha deste argumento.
Paulo Casaca
<< Home