25.11.07

Massacre judaico de Lisboa de 1506


Caros/as amigas,

É preciso fazer alguma coisa para que o memorial às vítimas do massacre judaico de Lisboa de 1506 seja erguido no próximo dia 19 de Abril.

Se concordar assine e divulgue: http://www.PetitionOnline.com/samusque/
Cumprimentos,
Jorge Martins.

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O MASSACRE DOS JUDEUS DE LISBOA

1) O Massacre dos Judeus/Cristãos-Novos de Lisboa teve na época um impacto considerável, o que é comprovado pelo grande número de cronistas principalmente da época ou próxima dela que o narra: Salomon Ibn Verga, um exilado judeu espanhol que foi aqui em Portugal apanhado pelas conversões forçadas e embora só tivesse chegado a Lisboa uns dias mais tarde é contemporâneo e testemunha indirecta; um visitante alemão anónimo, testemunha directa e envolvida directamente nos acontecimentos que deixou um testemunho extremamente detalhado; há as crónicas de Damião de Góis, de Jerónimo Osório, referências em Garcia de Resende, Samuel Usque no seu livro “Consolação às Tribos de Israel e mais tarde no séc. XIX Alexandre Herculano.

2) A maioria dos cronistas concorda nalguns pontos importantes e que eu gostaria de salientar:

- A extrema violência do massacre e de certa forma o seu carácter algo inédito em Portugal. Tinha havido alguns incidentes graves como em 1499 e outros, mas nada que se comparasse a esta matança generalizada: entre 2 a 4 mil mortos, assassinados em três ou quatro dias com requintes de malvadez tremendos – mulheres grávidas atiradas pelas janelas e aguardadas em baixo pelas lanças empunhadas; bebés estilhaçados contra os muros; violações; desmembramentos; autos de fé ....O Massacre parou por exaustão, mas também porque já havia pouco para matar, os sobreviventes tinham fugido, alguns com a ajuda de cristãos-velhos;

- O papel decisivo e determinante dos frades dominicanos que instigaram e conduziram até ao final a turba enfurecida, no sentido de exterminar os cristãos-novos, inclusivamente opondo-se ao rei e ao poder temporal que foi claramente desafiado e contestado e que só conseguiu impor a ordem bastantes dias depois. Quando digo exterminar, estou a medir as palavras, foi claramente uma tentativa de extermínio, embora localizada e centrada em Lisboa e arredores.

- Embora alguns cronistas citem o Rossio e o cais, os testemunhos mais directos referem não só o Convento de S. Domingos como ponto de partida do massacre, mas também o Largo de S. Domingos como o local para onde convergiam todos os cadáveres, trazidos pelos malfeitores, onde eram empilhados e queimados; é por isso que ainda hoje esse é o lugar mais simbólico do massacre e onde propusemos à Câmara Municipal de Lisboa, a colocação de uma placa que lembre para a posteridade o sofrimento atroz dos judeus nesses dias;

- a participação de marinheiros alemães, holandeses e franceses no massacre e no saque dos judeus, o que mostra que o ódio aos judeus era um fenómeno generalizado.

3) Quais os motivos do massacre? Mais uma vez, os judeus foram o bode expiatório de uma determinada situação de seca, fome e peste; alguns historiadores apontam o papel, odiado pelo povo, de colectores de impostos de que os cristãos-novos eram incumbidos pelo rei, tal como o eram quando judeus; o fanatismo religioso, como já vimos é outra causa decisiva.

Para além destes, em minha opinião, há dois factores que foram decisivos: o primeiro é conjuntural, o segundo marcou todas as perseguições judaicas ao longo de dois mil anos.

As conversões forçadas é o primeiro. A conversão, voluntária ou forçada foi a forma encontrada por D. Manuel para manter os judeus em Portugal porque precisava deles. Não os podia manter como judeus, tentou mantê-los como cristãos, acreditando que com uma política de integração os conseguia assimilar e diluir na sociedade portuguesa. Enganou-se duas vezes: em primeiro lugar, porque subestimou a fé religiosa judaica que se manteve acesa e não podendo ser às claras tornou-se secreta; em segundo lugar porque o ódio que o povo tinha aos judeus, em vez de diminuir foi exacerbado: antes os judeus eram um corpo bem identificado, submetido a regras e leis rigorosas, apartado. Agora depois da conversão estava inserido, disseminado na sociedade portuguesa, invisível e por isso muito mais perigoso. Aliás, só o rei acreditou na conversão e na assimilação, o povo nunca.

O segundo factor que explica o Massacre, embora não sendo específico dele, é a vulnerabilidade judaica ao longo dos dois mil anos de diáspora. Sem reinos, sem exércitos, sem poder, os judeus foram ao longo da história uma presa fácil Aliás, é o próprio Damião de Góis que na Crónica de D. Manuel explica assim que tenham sido os filhos dos judeus a serem retirados aos pais par a conversão forçada e não os filhos dos mouros. Diz ele “A razão pela qual el-Rei ordenou que levassem os filhos dos judeus e não os filhos dos Mouros era que os judeus, pelos seus pecados, não tinham reinos, nem domínios, nem cidades, nem aldeias, mas são – em todas as partes em que vivem – peregrinos e súbditos, desprovidos de poder e de autoridade para executar os seus desejos contra as ofensas e os males exercidos sobre eles ...”

Muito mais tarde, 500 anos depois, os judeus souberam tirar a lição desta realidade ...

4) O Massacre é a consequência da falência da política pérfida de D. Manuel: as conversões forçadas foram uma tentativa de manter cá os judeus, mas como cristãos; considerava que bastava umas gotas de água baptismal e uma política de integração para que os judeus se deixassem integrar. Não foi isso o que aconteceu, como vimos e o próprio rei deu-se conta disso em primeiro lugar permitindo por decreto de 1507, a saída de Portugal dos cristãos-novos. Mas a quem ainda tivesse alguma ilusão sobre a estima que o rei D. Manuel tivesse em relação aos judeus nunca é demais lembrar que face ao fracasso da sua política, ele não hesitou em confiar ao seu embaixador em Roma a missão secreta de pedir ao Papa, em 1515, a permissão de estabelecer a Inquisição em Portugal. Ou seja se não ia a bem, talvez fosse a mal...Não foi!

No entanto, a política de D. Manuel teve um impacto considerável que dura até aos nossos dias: o cripto-judaísmo, o marranismo é um fenómeno essencialmente português e até hoje, 500 anos depois, se fazem sentir as consequências da presença do marranismo na sociedade portuguesa.

5) Finalmente, e para terminar, é evidente que temos de analisar o Massacre também com os olhos de ontem, da época, em que a questão da religião era absolutamente dominante, a força da Igreja absoluta, e a diabolização dos judeus um facto. No entanto, o Massacre de Lisboa, não deixa de ser um terrível exemplo de até onde pode levar o fanatismo, a intolerância e o ódio religioso. Afinal, o Massacre de Lisboa, tão distante, é infelizmente ainda tão actual...

Esther Mucznik