13.2.07

Conversão com Responsabilidade


Se o Judaísmo se importasse com o poder dos números, poderia ter-se tornado uma fé proselitista como o Cristianismo ou Islamismo. Por uma questão de princípio e história, escolheu de outra maneira. Concentrou-se na força espiritual, não demográfica.


A aceitação dos comandos, mitsvot, é constitutiva da conversão. Sem ela, não se pode dizer que a conversão ocorreu.


Não há atalhos para as bênçãos da fé, assim como não os há para a saúde física. Sem exercício, sono e uma dieta balanceada, o corpo perece. Sem o Shabat e as Festas, cashrut e leis da família, o espírito judeu atrofia e termina por morrer.


Por Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks

A Torá manda-nos amar o guer. A palavra geralmente é traduzida como "estrangeiro", mas segundo a tradição oral, com freqüência significa tsedec, o 'prosélito justo'. Somos ordenados a demonstrar sensibilidade especial ao convertido. Na amidá diária, fazemos menção especial aos "justos convertidos", rezando para que o nosso quinhão seja dividido com eles. Os convertidos trazem méritos especiais ao nosso povo.
Numa resposta, Moses Maimônides foi indagado por um prosélito, Ovadiah, se como convertido tinha permissão de dizer nas suas preces: "Nosso D'us e D'us de nossos pais", uma vez que os pais dele não eram judeus. Maimônides respondeu afirmativamente. Um judeu pode ser o filho físico de Avraham, porém o convertido é um dos seus filhos espirituais. "Como você veio para debaixo das asas da Divina Presença e confessou o Senhor", continua Maimônides, "não há qualquer diferença entre você e nós… Não considere a sua origem como inferior."
Se o Judaísmo se importasse com o poder dos números, poderia ter- se tornado uma fé proselitista como o Cristianismo ou Islamismo. Por uma questão de princípio e história, escolheu de outra maneira. Concentrou-se na força espiritual, não demográfica.
O que é conversão? As pessoas freqüentemente referem-sed ao caso de Ruth, a Moabita, cuja história é narrada com tanta beleza no livro que leva o seu nome. É da resposta de Ruth à sogra Naomi, que são derivados os princípios básicos da conversão, Ela disse: "Aonde tu fores, eu irei. Onde ficares, eu ficarei. O teu povo será o meu povo, e o teu D'us o meu D'us."A última frase – apenas quatro palavras em hebraico – define a natureza dual da conversão até hoje. O primeiro elemento é uma identificação com o povo judeu e o seu destino (O teu povo será o meu povo). O segundo é a aceitação de um destino religioso, o pacto entre Israel e D'us e as suas ordens (O teu D'us será o meu D'us). Ambos os elementos são necessários. Isso é o que distingue a conversão ao Judaísmo da cidadania israelita. Há cidadãos de Israel que são cristãos, muçulmanos, drusos, beduínos, budistas ou brâmanes. Você não precisa de er judeu para ser cidadão israelita, assim como não precisa ser cristão para ser cidadão britânico (para assegurar, há diferenças em relação à Lei de Retorno de Israel, mas aqui isso não vem ao caso). A cidadania nas democracias liberais é um conceito secular. A conversão, ao contrário, é irredutivelmente religiosa. É isso que Boaz quer dizer quando fala para Ruth: "Que você seja ricamente recompensada pelo Eterno, o D'us de Israel, sob cujas asas você buscou o refúgio." Isso envolve a adopção de um estilo de vida religioso. A conversão secular a uma identidade religiosa é logicamente, impossível.
A natureza dessa dimensão religiosa pode ser resumida em duas palavras hebraicas: cabalat hamitsvot, aceitação dos comandos. Isso pode ser feito de maneira estrita ou leniente. A conversão é um caso inusual no qual o rigor da lei é deixado à decisão do tribunal. Porém a condição existe, embora inferida. A conversão deve envolver a aceitação dos comandos. Se um convertido, em virtude do seu comportamento, demonstra um genuíno comprometimento com a prática e a Lei Judaica na época da conversão, isso permanece, mesmo se depois ele a abandona. Um convertido faltoso é um judeu em falta, não um gentio em falta. Se, no entanto, não havia observância religiosa na época, a conversão não tem valor. A aceitação dos comandos é constitutiva da conversão. Sem ela, não se pode dizer que a conversão ocorreu. A conversão ao Judaísmo é um empreendimento sério, porque o Judaísmo não é um mero credo. Envolve um estilo de vida distinto e detalhado. Quando as pessoas perguntam-me porque a conversão ao Judaísmo demora tanto, peço-lhes que considerem outros casos de mudança de identidade. Quanto tempo demora para um britânico se tornar italiano, não apenas legalmente, mas lingüística, cultural e socialmente? Leva tempo. A analogia é imperfeita, mas ajuda a explicar o aspecto mais intrigante da conversão hoje: os padrões às vezes diferentes entre as cortes rabínicas em Israel e na Grã-Bretanha. Há algumas décadas, um Rabino Chefe israelita argumentou que os tribunais rabínicos israelitas deveriam ser mais lenientes que os seus pares na Diáspora. Os seus motivos eram técnicos, mas faziam sentido. É mais fácil aprender italiano se estiver a morar em Itália. Em Israel, muitos aspectos da identidade judaica são reforçados pela cultura circundante. A sua linguagem é a linguagem da Bíblia. A sua paisagem está saturada pela História Judaica. O Shabat é o dia de descanso. O calendário é judaico.
No caso da conversão, os códigos concedem explicitamente a cada Bet Din o direito e o dever de exercer a discrição tendo em vista a circunstância local. Durante séculos, isso não criou problemas. O que mudou foi a nossa mobilidade geográfica, bastante aumentada. As pessoas mudam-se. Um casal pode se conhecer num país, casar-se num segundo e morar num terceiro. A conversão é algo muito sério. Ninguém pode tratá-la levianamente, muito menos um tribunal religioso. Já houve tempos em que a identidade judaica foi uma questão de vida ou morte – não apenas durante o Holocausto. O Talmud afirma: 'É dito ao convertido em perspectiva: ‘Está consciente de que os Filhos de Israel na era actual são perseguidos e oprimidos, desprezados, molestados e dominados por aflições?' Isso não é tanto para desencorajar o candidato, mas para ser perfeitamente sincero sobre o que esta opção envolve. A conversão também não é afectada por considerações demográficas. Os judeus sempre foram um povo muito pequeno. No Século XVII estima-se que houvesse apenas dois milhões de judeus na terra. Hoje há 100 muçulmanos para cada judeu, e quase 200 cristãos. Se o Judaísmo se importasse com o poder dos números, poderia ter se tornado uma fé proselitista como o Cristianismo ou Islamismo. Por uma questão de princípio e história, escolheu de outra maneira. Concentrou-se na força espiritual, não demográfica.O Judaísmo não busca pessoas para as converter. Não porque seja exclusivo, mas pelo motivo oposto; não acredita que é preciso ser judeu para ter uma porção no céu. As pessoas muitas vezes perguntam-me como consigo ser tolerante com outras crenças, enquanto ao mesmo tempo insisto em padrões haláchicos para a conversão. Não apenas não há contradição entre estas opiniões, como elas são dois lados da mesma moeda. O Judaísmo é tolerante com outras fés exactamente porque acredita, nas palavras dos sábios, que 'os gentios justos têm uma porção no Mundo Vindouro'. Não há necessidade de conversão. Portanto, isso deve ser feito apenas se a pessoa entende sinceramente, de maneira séria e total, a natureza do compromisso envolvido.
O Judaísmo é uma fé exigente. Há beleza e força. Muitos não-judeus já me disseram o quanto admiram a comunidade pelo seu amor à família, a sua dedicação à caridade e justiça, a sua paixão pela educação e desenvolvimento do intelecto. Posso entender por que alguém desejaria fazer parte deste estilo de vida.O que é difícil de entender é por que alguém desejaria adquirir um carro mas nunca usá-lo; um fato para jamais vesti-lo; uma casa para não morar nela; uma religião para não praticá-la. Não há atalhos para as bênçãos da fé, assim como não os há para a saúde física. Sem exercício, sono e uma dieta balanceada, o corpo perece. Sem o Shabat e as Festas, cashrut e leis da família, o espírito judeu atrofia e termina por morrer. Um médico, quando atende um paciente que está com a saúde abalada, seria irresponsável em não dizer-lhe que precisa mudar o seu estilo de vida. Da mesma forma, seria irresponsável um rabino que não dissesse o mesmo a um convertido em potencial. Para um não-judeu que deseja converter-se, eu diria: 'Nós o recebemos de braços abertos. Porém você deve entender o que isso envolve. Significa manter as leis que constituem o nosso pacto com D'us. Significa uma mudança de identidade e estilo de vida. Ser-se judeu não é apenas um privilégio, mas também, muito mais, uma grande responsabilidade. Assim, vamos ajudar os proponentes a' conversão e integra-los na nossa comunidade, para que a mudança de vida possa ser gradual e responsavel.