6.2.07

Inteligente e Correcto

Por Eliezer Cohen

Ser inteligente e correcto são dois conceitos com os quais convivemos diariamente. Cada um de nós, à nossa própria maneira, tenta viver de modo tal que reflicta tanto profundidade intelectual quanto comportamento virtuoso. Muitos acreditam que habilidade intelectual produz a acção correcta, e de facto, o indivíduo inteligente tem a oportunidade de avaliar suas acções para assegurar-se que o resultado será correcto.
Porém é possível que habilidade intelectual seja a base da acção correcta? E quanto àqueles que não foram abençoados com uma mente rápida? As pessoas mais lentas estão fadadas a ser "os perversos" da nossa geração?
Sobre este tópico, há uma famosa parábola judaica que ilustra claramente o relacionamento entre inteligência e integridade.
Certa vez, dois eruditos estavam sentados a discutir vários tópicos da Torá. O anfitrião trouxe uma chávena de chá a cada um dos distintos sábios. Em seguida, voltou com um prato contendo dois deliciosos biscoitos, um para cada visitante.
Um dos biscoitos era obviamente maior que o outro, e o menor deles estava um tanto esmigalhado. Cada um dos eruditos olhou para o prato e constatou a desigualdade. As regras da etiqueta exigem que a pessoa que se serve primeiro, como prova de educação, deve pegar no menor, demonstrando assim consideração e estima pelo amigo. Não somente isso, como também era costume que o erudito mais notável se servisse em primeiro lugar. No entanto, não seria de bom tom declarar-se um erudito mais importante, pois isso trairia a fachada de humildade que cada sábio mantém sobre si mesmo.
Cada um deles queria o biscoito maior, e portanto nenhum ousava servir-se primeiro.
Ambos os eruditos esperaram pacientemente que o outro pegasse o biscoito, Porém nenhum esticou a mão para apanhá-lo.
"Rabi Yankel, por gentileza, o senhor é um reconhecido erudito, queira servir-se primeiro."
"Não, meu caro Rabi Schmendel, sou como o pó de suas botas. Deve servir-se antes de mim."
E assim foi, cada qual tentando convencer o outro a servir-se em primeiro lugar.
Sentaram-se então em silêncio por alguns instantes. Finalmente, um dos sábios esticou a mão e agarrou o biscoito grande.
Enquanto o levava até a boca, o outro exclamou: "Não acredito que o senhor cometeu um acto tão inconveniente! O senhor, um verdadeiro erudito de Torá, de família tão distinta, como pôde comportar-se de maneira degradante, pegando o biscoito maior?!?"
"Ora, caro amigo, o que teria feito no meu lugar?"
" Se eu tivesse servido primeiro, obviamente teria pegado o biscoito menor" - explicou o amigo.
"Hummm" retorquiu o primeiro - "neste caso, do que reclama? Não recebeu o biscoito menor?"
A moral:
Vivemos segundo diversas regras e costumes. A diferença entre pessoas simples e homens inteligentes é que o simplório não tem os argumentos para justificar a sua transgressão. Uma pessoa inteligente pode fazer com que o seu erro não pareça ser um erro, e um indivíduo extremamente sagaz pode nos convencer que, não somente aquilo não foi uma transgressão, como na verdade foi um acto correcto. E uma pessoa excepcionalmente inteligente pode fazer-nos acreditar que, não somente nenhum erro foi cometido, e ele, não apenas é um homem íntegro, como na verdade aquilo foi feito única e exclusivamente para o nosso próprio benefício.
Durante a Inquisição Espanhola, muitos dos eruditos converteram-se ao Cristianismo, ao passo que as pessoas simples deram a vida para santificar o Sagrado Nome de D'us, sofrendo mortes horríveis e proclamando Shemá Yisrael enquanto a alma abandonava o seu corpo sofrido. Aquelas pessoas inteligentes convenceram a si mesmas que era melhor converter-se que morrer, que a sua conversão era apenas uma fachada. Os indivíduos mais simples não puderam convencer-se disso - a conversão era estritamente proibida.
Obviamente, D'us criou os homens com capacidades intelectuais variadas. Ele espera que nós, não importa se intelectualmente aguçados ou vagarosos, nos comportemos de maneira íntegra.
A nossa tarefa é não sermos levados por pessoas habilidosas que tentam fazer-nos acreditar que as suas acções são correctas. E mais ainda, cabe às pessoas realmente inteligentes não se deixarem convencer pela sua própria inteligência de que estão sempre correctas. Uma pá é uma pá, e um erro é um erro.
http://www.chabad.org.br/novidades/2006/dezembro/04_12_2006-02.htm