7.2.07

O aborto na lei judaica

Por Daniel Eisenberg

A visão judaica tradicional sobre o aborto não se ajusta convenientemente a nenhuma das posições defendidas no actual debate relacionado ao tema.

Já que o aborto volta novamente como uma questão política, é de suma importância entender o enfoque judaico desta questão. A visão judaica tradicional sobre o aborto não se ajusta convenientemente a nenhuma das posições defendidas no actual relacionado ao tema. Nós não proibimos por completo o aborto, mas também não permitimos o aborto indiscriminado. Uma mulher pode sentir que até o feto nascer ele é parte de seu corpo, mantendo, portanto, o direito de abortar uma gravidez não desejada. O Judaísmo reconhece o direito de escolher o aborto como uma opção? Em que situações a lei judaica aprova o aborto?
Para uma clara compreensão de quando o aborto é permitido (ou até exigido) e quando é proibido, deve haver uma avaliação de certas nuances da halachá (Lei judaica) que determinam a condição do feto(1).O caminho mais fácil para formar um conceito acerca de um feto pela halachá é imaginando o feto como um ser humano crescido - mas não o bastante(2). Na maioria das situações, o feto é tratado como qualquer outra "pessoa". Geralmente, não é permitido prejudicar um feto deliberadamente. Entretanto, enquanto parece óbvio que o Judaísmo apoia o aborto justificável, existem certas sanções também para aquele que tenha atingido uma mulher grávida, causando-lhe um aborto, sem ter tido essa intenção(3). Isto quer dizer que nem todas as citações rabínicas consideram o aborto um assassinato. O facto da Torá exigir um pagamento monetário daquele que provocou um aborto é interpretado por alguns Rabinos como indicando que o aborto não é um crime mortal(4) e por outros indicando meramente que a pessoa que o fez não será executada, embora se trate de um tipo de assassinato(5). Existe também discordância em relação à proibição do aborto ser Bíblica ou Rabínica. Não obstante, há concordância unânime de que o feto se tornaria um ser humano crescido e que, portanto, deverá haver um motivo muito forte para permitir o aborto.
Como uma lei geral, o aborto no Judaísmo só é permitido se existe alguma ameaça direta para a vida da mãe durante a gravidez ou no ato de dar à luz. Em tal circunstância, o bebê é considerado um rodef, perseguidor(6) da mãe, com o intento de matá-la. Não obstante, como explicado na Mishná,(7) se fosse possível salvar a mãe deformando o feto, por exemplo amputando-lhe um membro, o aborto estaria proibido. A despeito da classificação do feto como um perseguidor, uma vez que a cabeça do bebê ou a maior parte de seu corpo já tenha nascido, a vida do bebê tem o mesmo valor que a da mãe, não sendo permitido escolher uma vida entre as duas, pois se considera como se estivessem perseguindo um ao outro.É importante enfatizar que a razão da vida do feto estar subordinada à da mãe é ser ele a causa do que ameaça a vida da mãe, seja direta (por exemplo: devido a toxemia, placenta previa, ou posição de abertura) ou indiretamente (por exemplo: diabete exacerbada, doença de rim, ou hipertensão)(8). Um feto não pode ser abortado para salvar a vida de qualquer outra pessoa que não esteja diretamente ameaçada por ele, como no caso do uso de órgãos fetais para transplante.
O Judaísmo reconhece também fatores psiquiátricos e físicos ao avaliar a ameaça que o feto causa à mãe. Porém, o perigo físico ou emocional deve ser provável e sólido para justificar o aborto(9). O grau de doença mental que deve estar presente para justificar o fim de uma gravidez tem sido muito debatido por eruditos rabínicos(10), não havendo um consenso claro de opinião relativa aos critérios exatos para permitir um aborto em tais instâncias(11). Não obstante, todos concordam que, havendo probabilidade da gravidez fazer com que uma mulher se torne suicida, existem graus para permitir o aborto(12). Entretanto, vários peritos rabínicos modernos determinaram que, já que a gravidez induzida e as depressões pós-parto podem ser tratadas, o aborto não é autorizado(13).Como uma regra, a lei judaica não atribui valores relativos para diferentes vidas. Portanto, a maioria dos poskim (Rabinos qualificados para decidir assuntos da lei judaica) proíbe o aborto em casos de anormalidades ou deformidades encontradas num feto. O Rabino Moshe Feinstein, um dos maiores poskim do século passado, determina que até a amniocentese é proibida se for utilizada somente para avaliar defeitos de nascimento para permitir aos pais solicitarem um aborto. Todavia, um teste pode ser feito se uma atitude permitida resultar dele, como a amniocentese ou o exame dos níveis das proteínas-alfa do feto para uma melhor administração médica antes e depois do parto.
Enquanto a maioria dos poskim proíbe o aborto de "fetos defeituosos", o Rabino Eliezar Yehuda Waldenberg é uma notável exceção. O rabino Waldenberg permite o aborto de um feto, no primeiro trimestre, que nasceria com uma deformidade que o faria sofrer, bem como o aborto de um feto com um defeito letal, como o Tay-Sachs, até o sétimo mês de gestação(14). Os peritos rabínicos também discutem se o aborto é permitido para mães com rubéola e bebês com pré-natal que confirmam a Síndrome de Down.Há diferença de opinião relativa ao aborto por adultério ou em outros casos de fecundação por relação sexual com alguém proibido pela Bíblia. Em casos de estupro e incesto, a questão essencial seria o estado emocional exato da mãe para levar o feto a termo. Em casos de estupro, o Rabino Shlomo Zalman Aurbach permite à mulher usar métodos que previnam a gravidez depois da relação(15). A mesma análise usada em outros casos de danos emocionais poderia ser aplicada aqui. Já os casos de adultério exigem considerações adicionais no debate, com decisões judiciais variando entre proibição de abortar até a mitzvá de fazê-lo.(16)
Tratei de expor aqui a essência da abordagem judaica tradicional para o aborto. Contudo, cada caso é único e especial e os parâmetros que determinam a permissão do aborto dentro da halachá são sutis e complexos. É crucial lembrar que, em face de um paciente real, uma competente autoridade haláchica deve ser consultada em todos os casos.


Referências:
1 Embora exista discussão entre os Rabinos sobre o aborto ser uma proibição Bíblica ou Rabínica, todos concordam no conceito fundamental de que ele só é permitido para proteger a vida da mãe, ou em outras situações extraordinárias. A lei judaica não sanciona um aborto sem uma razão justificável.
2 Igros Moshe, Choshen Mishpat II: 69B.
3 Shulchan Aruch, Choshen Mishpat, 423:1
4 Ashkenazi, Rabbi Yehuda, Be'er Hetiv, Choshen Mishpat 425:2
5 Igros Moshe, ibid
6 Maimonides, Mishneh Torah, Laws of Murder 1:9; Talmud Sanhedrin 72B
7 Oholos 7:6
8 Vide Steinberg, Dr. Abraham; Encyclopedia of Jewish Medical Ethics, "Abortion and Miscarriage," para uma maior discussão sobre as indicações do aborto relativas à mãe.
9 Igros Moshe, ibid
10 Vide Encyclopedia of Jewish Medical Ethics, p. 10, para referências.
11 Vide Spero, Moshe, Judaism and Psychology, pp. 168-180.
12 Zilberstein, Rab. Yitzchak, Emek Halacha, Assia, Vol. 1, 1986, pp. 205-209.
13 Rab. Shlomo Zalman Aurbach e Rab. Yehoshua Neuwirth citados em English Nishmat Avraham, Choshen Mishpat, 425:11, p. 288.
14 Tzitz Eliezer, Volume 13:102.
15 Rab. Shlomo Zalman Aurbach e Rab. Yehoshua Neuwirth citados em English Nishmat Avraham, Choshen Mishpat, 425:23, p. 294.
16 Vide excelente capítulo em English Nishmat Avraham, Choshen Mishpat, 425 de Dr. Abraham Abraham, especialmente p. 293.