16.8.06

Qual o valor de se cumprir...








Qual o valor de se cumprir a palavra?
Qual o valor de se respeitar o Shabat?

Recentemente tive o prazer de conversar com Morris Engelson, um dos ‘pilares’ da Sinagoga Keter Israel que meu bisavô ajudou a fundar há quase 100 anos em Portland, Oregon, nos Estados Unidos. Durante a nossa conversa, Morris mencionou que era um sobrevivente do Holocausto. Eu expressei a minha surpresa, uma vez que ele parecia relativamente jovem em relação aos que escaparam do Holocausto.
Morris sorriu e disse: “Você tem razão. Poucas crianças sobreviveram ao Holocausto. A minha família foi escondida por alguns anos por uma família não judia, algo também relativamente raro. Os nazistas premiavam com um saco de farinha ou açúcar aqueles que entregavam os Judeus e ‘recompensavam’ os que os escondiam com uma bala. Os polacos, em geral, não estavam ansiosos por esconder os Judeus, a menos que tivessem dinheiro. Mas quando este se acabava, eles freqüentemente os entregavam. O facto de eu ter sobrevivido é uma história que remonta aos tempos do meu avô”.
“O meu avô era um mercador de grãos. Geralmente comprava trigo dos ‘senhores feudais’ da Polônia e o vendia aos moinhos. Entretanto, havia um fazendeiro que era dono de sua própria fazenda, com quem o meu avô mantinha um bom relacionamento. Certo dia, um moinho de trigo foi colocado à venda. O meu avô não tinha toda a quantia pedida, e então pensou em pedir ao fazendeiro que lhe emprestasse o dinheiro restante em troca de um retorno bastante substancial”.
“O fazendeiro concordou com o plano e deu ao meu avô toda a sua produção, para que ele a vendesse e usasse o lucro para comprar o moinho. O meu avô estocou o trigo do fazendeiro num silo, para depois vendê-lo. Porém, no Shabat seguinte, ocorreu um incêndio no silo (eles suspeitaram dos outros donos de moinhos da região, mas nada ficou comprovado). Uma vez que não havia perigo de vida para as pessoas que moravam nos arredores do silo, a Halachá (Lei Judaica) é clara: O fogo não pode ser apagado no Shabat. E assim todo o trigo se queimou”.
“O meu avô foi falar com o fazendeiro e explicou-lhe o que havia ocorrido. Ele garantiu-lhe que pagaria até o último zlot (o dinheiro polaco) que havia se comprometido conforme o trato inicial, e pediu-lhe apenas um prazo para poder anular a divida. Não havia maneira de o fazendeiro cobrar nada de meu avô, pois tudo havia sido feito na base da ‘palavra’, e o fazendeiro não tinha outro remédio além de aguardar. Durante os 20 anos seguintes o meu avô foi pagando ao fazendeiro, até concluir o débito. E nunca comprou o moinho”.
“Então veio Hitler, imach shemo v’zichrono (que o seu nome e a sua lembrança sejam apagados) e começou a assassinar os Judeus da Polônia. O meu pai dirigiu-se aos dois filhos do fazendeiro e fez a seguinte proposta: ‘Hitler não vencerá esta guerra. Eu perdi quase toda a minha família, muitos irmãos e irmãs. Se vocês esconderem a mim e à minha família, tudo o que eu herdar dos meus parentes falecidos será para vocês’ ”.
“Os dois irmãos conversaram entre si. Então um deles falou ao meu pai: ‘Há cerca de 20 anos o seu pai fez uma promessa ao nosso pai e cumpriu o combinado. Sabemos que você também irá manter a sua palavra. Nós iremos escondê-los! ’”
Ao lermos esta história podemos aprender o valor de se manter a palavra dada à outra pessoa, o valor de sermos pessoas íntegras. Entretanto, há uma lição ainda mais profunda: Quando o Povo Judeu esteve no Monte Sinai, aceitou sobre si cumprir toda a Torá. Nós dissemos: “Faremos e entenderemos”. Rashi, o grande comentarista da Torá (França, 1040-1104), explicou que todas as almas de todos os integrantes do Povo Judeu de todas as futuras gerações estavam presentes naquela ocasião no Monte Sinai, e concordaram em participar deste pacto com o Todo-Poderoso para cumprir Sua Torá.
Ao não apagar o incêndio do silo no Shabat, o avô de Morris estava a manifestar um patamar de integridade talvez ainda mais elevado, ao cumprir o pacto com o Todo-Poderoso e não profanar o Shabat. Ele poderia ter extinguido o fogo e também sabia das conseqüências da atitude que tomou: um tremendo prejuízo financeiro, o fim do sonho de tornar-se dono de um moinho e talvez de se tornar um homem rico. É bem provável que o comprometimento do avô de Morris com o fazendeiro estivesse enraizado no facto de ele entender que existe um D’us que estabeleceu padrões para nos comportarmos com os outros seres humanos, e cumprir estes padrões é uma parte tão importante da Torá quanto cumprirmos o Shabat.