15.8.06

Marranos: o difícil caminho para casa




















Jornal Haaretz – 24 de março de 2005 / 13 de Adar II 5765
http://www.haaretz.com/hasen/spages/556543.html

O longo caminho para casa
Kobi Ben-Simhon
Tradução; Uri Lam
Mais de 500 anos depois que seus antepassados foram forçados a se converter ao cristianismo, milhares de descendentes de marranos vivendo na América do Sul estão retornando às suas raízes judaicas. Mas eles estão colidindo com obstáculos no caminho de volta ao judaísmo.
Parece que eles ainda ouvem o riso corrente do Inquisidor. Dezenas de milhares de descendentes dos marranos — os judeus de Espanha e Portugal que foram forçados a se converter ao cristianismo há mais de 500 anos — continuam carregando a identidade perdida dos seus antepassados, apesar da passagem de séculos.
A Internet está cheia de fórums dos descendentes dos marranos, também chamados anussim, conversos forçados, em hebraico. Em um fórum chamado “Saudades” (www.saudades.org), mais de 1.000 pessoas estão comprometidas em um processo intensivo de esclarecer e cristalizar suas identidades. Eles escrevem sobre pronúncias hebraicas, judeus laureados com o Prêmio Nobel, preceitos da Torá, sábios do Talmud, o livro litúrgico de Jerusalém até mesmo sobre o prêmio de qualidade concedido ao azeite de oliva do Kibutz Revivim, no norte do Neguev, em uma competição mundial.
Um dos participantes do fórum se apresenta como “As 7 Leis de Noé”. Outro, Mordechai Lopes, de Recife, Brasil, escreve sobre observância do Shabat, e uma mulher contribui com um artigo publicado em um jornal americano local sobre descendentes de marranos que moram nos Estados Unidos, estimulando as pessoas a lê-lo. Anabela, da aldeia de Soago, em Portugal, escreve sobre um teste de DNA que ela fizera recentemente. Ela diz saber que é de descendência portuguesa e inquire algum outro participante do fórum que também fez o teste de DNA para conferir se há alguma compatibilidade com os resultados dela (o qual ela inclui na mensagem).
Além do Saudades, em inglês, há muitos sites que servem comunidades virtuais de marranos de língua espanhola — mexicanos, peruanos e colombianos. Também aqui, o centro do discurso repousa sobre a sua grande armadilha: o seu passado. Os descendentes dos marranos, que são formalmente cristãos em todos os aspectos, discutem questões como “quem é judeu” e como a história judaica os ignora. Eles falam sobre vários arquivos que documentam a Inquisição espanhola e as suas genealogias pessoais, cujas raízes se estendem por completo até aquele período de trevas na Espanha.
”Todos os sinais indicam que há um despertar de marranos em busca de suas raízes judaicas”, diz o Prof. Avi Gross, especialista em Judaísmo Português e Espanhol e Marranos do Departamento de História Judaica na Universidade Ben-Gurion em Beer-Sheva, no Neguev. Gross retornou mês passado de uma visita a comunidades marranas no Brasil como parte da sua atividade na associação Ezrá La’anussim (Auxílio aos Marranos), que entrou em operação este ano. Na tela do seu laptop há uma fotografia de uma família de marranos: o marido tirou uma foto da sua esposa e dois filhos acendendo as velas de Shabat.
”Está cada vez mais claro que as pessoas hoje em dia estão descobrindo o seu passado judeu”, destaca o Prof. Gross. “Isso está suficientemente claro para qualquer um que está engajado nas histórias de Brasil e Portugal. É um fenômeno muito extenso — milhares de marranos que queriam retornar à tradição dos seus antepassados, à vida dos seus ancestrais eram impedidos pelo fanatismo católico. O potencial para um retorno à religião judaica é de números que eu não estou disposto a citar, simplesmente porque não posso. As possibilidades são tremendas. Não estou interessado em citar números”.

Um sentimento pessoal e autêntico
Um novo estudo do Prof. Gross lida com a onda de despertar religioso entre os descendentes de marranos portugueses que imigraram para o Brasil. “O sangue judeu flui nas veias de uma enorme porção dos brasileiros cristãos de origem portuguesa”, ele diz. “O fato de haver vestígios de judaísmo em quantidades espantosas está claro; é uma questão estatística. Os historiadores dizem que 15% dos emigrantes portugueses que se instalaram no Brasil nos séculos 16 e 17 eram de descendência marrana — ou seja, judaica. Um cálculo aritmético simples lhe trará um número de sete dígitos (da ordem de milhões). Na minha opinião os números são muito menores. Estamos falando de um judaísmo inconsciente que estava totalmente assimilado. A maioria deles assimilou-se mil vezes desde então”.
Por outro lado, ele descreve uma conversa que teve em São Paulo com a Prof. Anita Novinsky, especialista mundial em Inquisição. “Ela nega a persistência do judaísmo entre os marranos, contudo admite, como ela me falou, que ‘o Brasil está fervendo com judaísmo debaixo da superfície’. Eu não esquecerei o que ela disse sobre um dos descendentes de marranos com quem eu me encontrei — que ele ‘leva história na sua carne e no seu sangue’. Do meu ponto de vista como historiador, esta é uma declaração definitiva. Afinal de contas, ela é altamente crítica da forma como a pesquisa histórica idealizou a preservação do judaísmo pelos marranos, e quando ela diz algo assim, aparentemente sabe do que está falando”. Há grandes concentrações de marranos (a palavra, usada pejorativamente contra os convertidos, significa “porcos” ou “amaldiçoados”) no Brasil, em particular no nordeste do país. São nestas regiões áridas, bem no interior do continente, que Gross encontrou extensas famílias que preservam um estilo judaico de vida, pelo menos até onde eles são capazes, dentro das fronteiras de quatro estados: Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.“Estas são famílias extensas e vastas, que permaneceram em laços de matrimônio e quase não se assimilaram com o meio ao redor”, diz Gross. “Eles viveram socialmente separados e nem sabem o porquê disso. É impressionante, mas preservaram uma forma marrana de vida no século 20. Eu conheci uma pessoa cuja família alcança 9.000 membros. Toda a vida deles é conduzida sob o que eles chamam de ‘leis de família’. É uma família enorme cujos membros estão associados pelo matrimônio. Eu não pude encontrar uma explicação do motivo pelo qual foram para um lugar tão remoto, na região árida, além do fato de que pretenderam se manter sem serem perturbados, seguir uma vida comunitária diferente, por meio de uma escolha consciente. Aqueles que foram em busca de dinheiro e melhores condições de vida foram mais para o sul. Não há qualquer razão para as pessoas irem tão longe em regiões desérticas como eles o fizeram”.
Os descendentes dos marranos estão longe de ser um bloco monolítico, diz o Prof Gross. Como a realidade marrana estava escondida até agora, tornou-se um assunto individual, de modo que há marranos mais sionistas e outros que são mais religiosos. Também há aqueles que se consideram sefaradim [de Sefarad, Espanha] puros; então decidiram seguir os passos de Maimônides e expressar uma forte oposição ao misticismo e à cabala. Em geral, todos se sentem judeus, mesmo que estejam totalmente alheios a este modo de vida.
“Eles não se encontram muito, principalmente devido às longas distâncias. Esta é uma comunidade imaginária” diz o Prof. Gross. “Uma comunidade onde todos choram juntos na Internet. É junto, nas dificuldades comuns, na sua dor compartilhada, que eles encontram acolhimento. São pessoas religiosas, com sentimentos religiosos, que são incapazes de se encontrar dentro da estrutura cristã. Em alguns casos o retorno para o judaísmo começa com a rejeição da Igreja — os jovens não estão dispostos a aceitar o dogma católico. Eles chegaram a este lugar por suas próprias pesquisas. Não é um fenômeno coletivo nem é uma questão de moda. É um sentimento muito pessoal e autêntico”.

A raiz do mal
O fenômeno marrano surgiu na Espanha e Portugal após vários períodos separados de conversão. O primeiro aconteceu no verão de 1391, em Sevilha, como parte de uma relativa onda de revoltas anti-semitas que varreram o país. Foram assassinados milhares de judeus naquele verão, e cerca um terço dos judeus — aproximadamente 100 mil, de acordo com uma estimativa — foi forçado ao batismo cristão. Houve outras ações de conversão forçada, com outra acontecendo em 1492 durante a expulsão dos judeus da Espanha, quando eles tiveram a escolha de se tornar cristãos ou deixar o país. Novamente o número de convertidos foi da ordem dos milhares. Naquela época estava em operação a maquinaria bem azeitada da Inquisição, perseguindo sistematicamente os marranos na Espanha, com o objetivo de interrogar aqueles entre os “cristãos novos” que continuavam a observar o judaísmo em segredo e castigar impiedosamente os impostores.
Em 1497 a comunidade judaica em Portugal também foi obrigada a se converter ao cristianismo. Um édito real ordenou que todos os judeus viessem para Lisboa, onde foram forçados a se converter. Ali também as estimativas falam de 10 mil a 20 mil convertidos. Em 1540 a Inquisição foi estabelecida em Portugal, e a versão portuguesa foi considerada mais brutal do que na vizinha Espanha. Rolos de pergaminho em hebraico que estavam escondidos em cavernas e depois encontrados, e milhares de arquivos de interrogatórios que documentam as acusações de observar as leis mosaicas em segredo mostram que os marranos mantiveram algum modo de vida judaico em segredo por muitos anos.Após a expulsão dos judeus da Espanha e a conversão generalizada em Portugal, a maioria dos marranos foi excluída do mundo judaico. Uma situação paradoxal emergiu, na qual a Igreja foi bem-sucedida transformando os judeus em “cristãos novos”, mas a sociedade cristã os rejeitou. A entrada dos cristãos novos no sistema social foi percebida como uma ameaça pelos antigos judeus, certamente na primeira geração. Por volta do século 16 uma visão ganhou força na Espanha e Portugal: de que havia um teimoso foco de heresia entre os judeus que eram cristãos por fora, mas permaneciam judeus em seus lares. Esta perspectiva foi manifestada na forma das leis de “pureza de sangue”, que não foram necessariamente promulgadas pelo estado, mas foram adotadas em várias regiões por meio de certas instituições, como universidades e monastérios, para excluir qualquer um que tivesse ascendência judaica.
A fonte do mal nestas leis repousa em sua atemporalidade. Assim que o passado judaico dos cristãos novos era descoberto, até mesmo 200 anos depois, era destruída toda a sua infra-estrutura social e econômica e eles podiam esperar serem perseguidos e suspeitos de observar o judaísmo. A fim de escapar de uma vida de temor insuportável, eles fugiram para os países islâmicos, para Amsterdã e para as colônias espanholas e portuguesas nas Américas.
Como seria de esperar, com o passar do tempo ocorreu uma erosão gradual no modo de vida judaico dos marranos. Dentro de duas ou três gerações, a maioria deles foi assimilada na sociedade cristã, e a religião judaica entre eles foi banida para os porões e lugares não vistos — para uma tradição oral. Após centenas de anos, permaneceram apenas sinais vagos de uma herança judaica.

Nascer e morrer como judeus
No Shabat, ele conta que leva seus filhos à beira do lago. Em pé em uma larga ponte de madeira, eles observam juntos o céu em busca das três estrelas que indicam o final do Shabat. Fábio (Ariel) Fonseca, 32 anos, porta-voz da Polícia Federal no Estado de Alagoas, Brasil, soube desde muito jovem que era judeu. “À idade de 15 anos comecei a ler sobre judaísmo”, ele diz em uma entrevista realizada por e-mail. “A primeira vez que encontrei o fato de que minha família tinha um passado judeu me pareceu uma total tolice. Eu pensava que os judeus vinham de Israel”. Ele abandonou a igreja aos 20 anos. “Era difícil estar fora. Depois que eu me casei, minha mãe me ajudou a encontrar os parentes e conversar com eles”. A sua trilha no mundo judaico foi forjada pela irmã do seu avô; continuou na Internet e o conduziu a uma escola na cidade litorânea de Natal, onde os descendentes dos marranos aprendem sobre judaísmo. Fonseca agora se apresenta como judeu — no verão passado ele passou pela circuncisão. Está aprendendo hebraico a partir de poemas que um amigo israelense lhe envia e lê o Jerusalem Post e a edição em inglês do jornal Haaretz diariamente na Internet. Seus dois filhos beijam a mezuzá anexada à porta da casa deles e recitam a oração de Shemá.
Dr. Luciano Oliveira, 27 anos, um médico de família no Estado da Paraíba, tem planos maiores. Ele pretende estabelecer uma comunidade de marranos no Brasil, como o modelo da famosa comunidade de marranos de Belmonte, Portugal, onde os conversos forçados conseguiram preservar a observância religiosa judaica em segredo do tempo da Inquisição até os anos 1970, e preparam pessoas para realizar as tarefas religiosas na comunidade. Ele já aprendeu o ritual da Sociedade Chevra Kadisha de São Paulo. “Em todas as gerações de minha família”, ele escreve por e-mail, “as mulheres preservaram os costumes e transmitiram a tradição. Por exemplo, a tradição do enterro — minha mãe era a responsável na família por purificar o morto e pelo enterro”. Dr. Oliveira se vê como um emissário público com grande responsabilidade. Mas quanto mais ele tenta solucionar o intrincado problema da sociedade de marranos em seu redor, mais chateado fica. Apesar dos seus tremendos esforços para voltar à superfície do judaísmo, sente que as instituições judaicas rejeitam a sua sinceridade. “O rabinato está sendo bem sucedido hoje em fazer conosco o que a Inquisição não conseguiu em centenas de anos. Eu não estou disposto a voltar para o judaísmo como um convertido”, ele diz, com frustração. “Eu não posso fazer isso com a minha família; isso seria traí-los. Oficialmente eu ainda sou um católico, mas as leis de família são o que decide. Minha mãe diz, ‘eu nasci nestes direitos de família e morrerei neles’”.
A amarga ironia é que declarações com este espírito podem ser encontradas nos arquivos da Inquisição; quando os marranos eram surpreendidos observando costumes judaicos, declaravam desafiadoramente, antes de serem assassinados, que “nasceram e morrerão no judaísmo”.

A barreira ortodoxa
Famílias como os Fonsecas e os Oliveiras são apanhadas em um processo cruel que é o caso de muitas famílias de marranos conscientes do seu passado judaico. A jornada dos marranos de volta para o judaísmo colide com a falta de sensibilidade das instituições religiosas, embora os marranos tenham sofrido um profundo processo de autodescoberta. Em geral, as instituições religiosas judaicas ortodoxas em Israel e no exterior vêem os descendentes dos marranos como gentios e exigem que eles passem por uma conversão plena. Por sua vez, os marranos dizem que querem retornar ao judaísmo sob o status de pessoas que estão “retornando à religião dos seus antepassados”, e não como convertidos.
Do ponto de vista deles, a diferença é crítica. Só uns muito poucos tribunais religiosos na América do Sul poderiam restabelecer os marranos ao judaísmo desta forma, mas mesmo que um tribunal ortodoxo no Brasil o fizesse, não há garantias de que a sua decisão seria respeitada em Israel, e menos ainda se um tribunal do judaísmo reformista estiver envolvido. Sisa Shlomovitz, 33 anos, entendeu isto e imaginou que encontraria uma resposta em Israel. Há quatro anos ela imigrou para Israel com seu marido judeu, Asher Ben Shlomo, que estabeleceu a Federação de Marranos Israelenses. “Nós percebemos que não havia sentido em passar por qualquer conversão ou processo de retorno no exterior, porque simplesmente não seria respeitado em Israel”, diz Ben Shlomo. “Quando chegamos em Israel, minha esposa teve que passar por um processo de conversão. Mas até hoje eu não encontrei um tribunal disposto a restabelecê-la para o judaísmo e cujas decisões serão respeitadas. Hoje ela não é considerada judia de acordo com lei. A verdade é que ela não tem nem sequer a sua cidadania concedida — ela ainda está passando pelos procedimentos, mesmo eu sendo judeu”. Shlomovitz soube da sua condição judaica pela primeira vez aos 20 anos, por sua mãe. Sua extensa família consiste de 1.000 pessoas, a maioria residentes no Estado de Alagoas, no Brasil. “Geralmente em minha família esta informação era escondida dos filhos, e eles só nos falavam sobre o nosso passado judeu mais tarde”, ela diz. “A ditadura militar no Brasil estava em liga com a Igreja católica, e isso nos causou medo. Mas inclusive antes de me dar conta do meu passado judeu, eu já observava costumes judaicos como aguardar por três horas entre comer carne e derivados de leite, a proibição em comer ovos manchados de sangue e a tradição do matrimônio dentro da família. Minha família ainda observa esses costumes”.
“Nós estamos em uma situação em que os cristãos nos consideram judeus e os judeus nos consideram gentios”, ela resume. “Hoje minha família tem o desejo de se definir como judia, mas não dão este passo porque sabem que em Israel o retorno ao judaísmo não é reconhecido. Em Israel nem eu nem meus filhos são considerados judeus. Deve-se encontrar uma solução para nós, porque não pretendemos passar pela conversão sob hipótese alguma. Há alguns que querem nos humilhar muito durante o processo de conversão”.
O rabinato em Israel não adotou uma abordagem uniforme para os marranos. Não há uma coordenação entre os tribunais religiosos sobre o tema. Uma resposta haláchica escrita em 1995 por um ex-rabino chefe, Mordechai Eliahu (Após concluir o seu período como rabino chefe), demonstra o absurdo envolvido. De acordo com esta decisão, os marranos não têm que sofrer um processo de conversão, mas sim um retorno ao judaísmo.
“Aqueles que desejam cumprir todos os preceitos do Torá abertamente hoje em dia deveriam ser louvados”, escreveu o rabino Eliahu. “Depois de sofrer todos os processos de estudo da Torá, aceitando a Torá e a obrigatoriedade dos preceitos, circuncisão e imersão conforme estipulados na Lei, eles deveriam receber um certificado intitulado, ‘Certificado para aquele que retorna aos caminhos dos seus antepassados’”. Halachicamente, esta decisão põe os marranos no mesmo processo rígido sofrido por um convertido, mas apesar disso, as cortes rabínicas em Israel não cumprem esta decisão.
Em Tu Bishvat (Dia da Árvore) este ano, um dia chuvoso em Jerusalém, um grupo de pessoas decidiu colocar um fim a esta situação humilhante. A associação Ezrá La’anussim foi estabelecida com a meta de tornar possível aos marranos retornar ao judaísmo e superar o obstáculo haláchico imposto pelo rabinato. Os membros da organização incluem o Prof. Gross; o advogado Aryeh Barnea, ex-diretor do colégio Gymnasia Herzliya em Tel Aviv, consultor jurídico da associação; e o rabino Zalman Cohen. A presidente da associação é Yafa da Costa, uma residente da cidade de Maalê Adumim, na Cisjordânia, ela mesma de uma família de marranos.
Yafa da Costa cresceu em uma cidade perto de Boston, Massachusetts, EUA, e comparecia à igreja todos os domingos. “Fazíamos o que tínhamos que fazer para nos ajustar ao status quo”, ela diz sobre a sua família. “Aos 19 anos senti que aquilo não era para mim, um sentimento interno que me é difícil de explicar. O passado judeu foi esquecido em algumas partes da família — minha mãe, por exemplo, nada sabe sobre isso”.
Da Costa encontrou suas raízes judaicas em Israel, ao acompanhar uma conversa casual em que alguém por acaso sugeriu a ela para que pesquisasse se o seu passado português terminaria em um lar judeu em Portugal. Depois disso, as coisas se moveram rapidamente. “Comecei a investigar e entendi, como acontece com muitos marranos, que muitos dos costumes que seguimos em casa eram costumes realmente judaicos. Havia também costumes que não cumpríamos, mas que minha mãe me disse que eram cumpridos na casa dela. No fim, levei adiante o meu processo de retorno ao judaísmo em Nova Iork, em uma corte altamente reconhecida e renomada, de modo que o Ministério do Interior no Israel aceitou a minha condição judaica”.
Neste sentido, o caso de Yafa da Costa é um precedente, e ela está agora tentando estendê-lo aos demais marranos. “Minha missão em vida é ajudar as famílias de marranos”, ela diz. “Eu comecei nos Estados Unidos há cinco anos e estou continuando aqui em Israel pela associação. É importante, para mim, deixar claro que somos judeus legítimos. Não podemos deixar a Inquisição vencer. Os marranos têm esperado há anos que as portas sejam abertas para eles; estão esperando por justiça histórica. A associação começou a direcionar os marranos a tribunais no exterior que trabalham conosco, e assim solucionar a identidade judaica deles. Quem passa pelo processo pode decidir depois o que ele quer fazer — permanecer na sua comunidade ou imigrar para Israel”. “Eu penso que temos a obrigação de aproximar os descendentes de marranos de nós e nos aproximarmos deles”, diz Aryeh Barnea em um determinado tom. “Esta é uma questão humanitária. Nós temos que entender que isto significa o mundo inteiro para estas pessoas — conectarem-se com suas raízes judaicas. A questão aqui é que o establishment israelense não está ciente de que os descendentes dos marranos são judeus e temos que encontrar um modo de trazê-los de volta para o seio do judaísmo e de Israel. Temos que lhes ajudar a voltar. A estimativa é que centenas de milhares poderiam retornar, e como eu vejo, esta é uma questão demográfica que constitui uma contribuição significante à sociedade israelense. Do meu ponto de vista, um passo nesta direção é definitivamente a realização do Sionismo”.
Houve tentativas no passado de assistir comunidades marranas, contudo somente em baixa escala. Uma organização chamada Amishav tem sido ativa nos últimos anos em centros urbanos na Espanha e em Portugal, em um esforço para restabelecer os descendentes dos marranos para o meio judaico (esta organização, fundada pelo rabino Eliyahu Avichail, também atua para encontrar os descendentes das 10 tribos perdidas). A associação Ezrá La’anussim tem a expectativa de uma mudança genuína de atitude, que tenderia ao histórico. “Nossa meta primária é encontrar tribunais de conversão com autoridade ortodoxa”, explica o Prof. Gross. “Quando estas ordens judiciais legislarem em favor do direito de um marrano retornar aos caminhos dos seus antepassados, ninguém será capaz de discutir isso”.
O rabino Zalman Cohen, conselheiro haláchico da associação, já começou a contatar cortes rabínicas no exterior. “O problema era que aqueles que lidavam com o tema dos marranos até agora raramente eram juízes de tribunais religiosos, e eles não tinham o conhecimento necessário do assunto”, ele diz depois de concluir uma aula de Torá na sua casa, por volta da meia-noite. “Nós estabelecemos contato com rabinos do primeiro nível que poderão solucionar o problema. Quando um marrano entra no tribunal, estes rabinos iniciam uma averiguação para assegurar que a pessoa preservou uma identidade judaica. Os rabinos com quem começamos a trabalhar estão autorizados a fazer isso”.

Você poderia explicar?
“Explicar exatamente o que eles estão fazendo é como tentar explicar como funciona a bomba atômica a alguém que não tem conhecimento de física. O que é importante é que, após a audiência, o marrano parte com um certificado declarando que é judeu e ninguém no mundo ousará duvidar da sua condição judaica”.
O que está acontecendo agora é só o início. O número de marranos que se beneficiou do sistema descrito pelo rabino Cohen é desprezível se comparado com o potencial. Ele não hesita em atacar as conversões feitas em Israel. “Em Israel nós temos o que é conhecido como conversão por atacado, conversão solta, portanto há muita gente que tende a desconfiar do processo de conversão feito lá”, diz Cohen. “As forças políticas de direita assumiram os processos de conversão aqui, e este é o resultado. Eles querem mão de obra barata para os assentamentos — esta é a abordagem, lamentavelmente. Três semanas atrás chegou um casal de marranos que pensava ter descoberto um caminho à margem do dilema em Israel, mas o problema com que eles se depararam é que não há uma instituição que possa levá-los de volta ao judaísmo. Estas são pessoas que preservaram a sua identidade judaica com abnegada devoção, e são tratados como se fossem gentios. Isto é um tapa na cara deles. É o bastante para fazer alguém chorar”.
O Chefe do Rabinato declara em resposta: “O rabino Shlomo Amar encontrou-se recentemente com representantes de descendentes de convertidos forçados de Portugal interessados em retornar ao judaísmo. Com o objetivo de facilitar o processo do retorno dos descendentes dos anussim ao seio do povo judeu, o assunto será examinado a fundo, devido ao temor de assimilação entre os descendentes dos anussim. O rabino chefe enviou dois representantes para submeter um relatório conclusivo em breve”.
Enquanto isso, a associação Ezrá La’anussim passou a operar um site educacional para os marranos na Internet. Miguel Staroi, um residente do assentamento de Mitspê Yerichó, na Cisjordânia, leciona para um grupo de 40 estudantes da Colômbia duas vezes por semana. “Eu lhes dou lições de lei religiosa judaica”, ele conta. “O assunto que eles estão estudando agora diz respeito às leis de purificação na família. É uma aula virtual na qual eles escutam, assistem e podem fazer perguntas. Quase todos têm formação universitária, quase todos têm mestrado. É muito emocionante para mim trabalhar com eles”. Prof. Gross admite, “Se eu não tivesse pensado em termos de grandes números, imagino que não teria me envolvido no assunto. Após a minha reunião com vários marranos no Brasil, e horas infinitas de correspondência via Internet, sinto que alguns deles estão se apoiando em mim como a uma âncora. Eu senti a sua necessidade de alguém os arrancar do redemoinho. Tento separar os vários elementos emocionais, mas não há dúvida de que sinto um senso de pertencer ao nível humano, nacional e religioso com estas pessoas. Se eu for bem-sucedido nesta missão em que nos colocamos com esta associação, serei capaz de dizer que esta é a coisa mais maravilhosa que eu fiz na minha vida”.

http://www.geocities.com/brasilsefarad/marrano3.htm