13.12.05

Judeus, presença milenar na Península Ibérica

PORTUGAL

Já na década de 70, porém, alguns indícios mostravam o processo de mudança no país. Em 1974, após a Revolução dos Cravos, que substituiu o regime totalitário pela democracia, foram feitas modificações nos compêndios de história, trazendo novas abordagens sobre o período da Inquisição.
Foram necessários 500 anos para que Portugal tomasse a decisão de revogar publicamente o decreto de expulsão dos judeus, vigente quando o país vivia à sombra da Inquisição. Com a votação no Parlamento, em dezembro de 1996, abre-se um novo capítulo na história portuguesa. Já na década de 70, porém, alguns indícios mostravam o processo de mudança no país. Em 1974, após a Revolução dos Cravos, que substituiu o regime totalitário pela democracia, foram feitas modificações nos compêndios de história, trazendo novas abordagens sobre o período da Inquisição. Em 1987, o então presidente Mário Soares apresentou ao Estado de Israel um pedido formal de desculpas, em nome do país, pelos eventos do passado. A Inquisição foi oficialmente abolida de Portugal em 1821. Logo após a votação no Parlamento português, foi inaugurada a primeira sinagoga na cidade de Belmonte, onde durante séculos os judeus esconderam sua fé por trás da sua identidade de cristãos-novos ou marranos. Tal fato demonstra que, apesar do decreto e das perseguições, as páginas da história de Portugal, nos últimos cinco séculos, foram permeadas por costumes e tradições de origem judaica, mantidos, às escondidas, por indivíduos que geralmente sequer sabiam o seu real significado. A Inquisição em Portugal sofreu influência directa da sua actuação na Espanha, onde, por insistência dos reis católicos espanhóis, Fernando e Isabel, o papa Sixtus IV apoiou a criação de uma Inquisição Espanhola Independente, em 1483, presidida por um Conselho e um inquisidor. Entre os mais famosos, está Tomás de Torquemada, um símbolo de crueldade, intolerância e fanatismo religioso, que ajudou a escrever um capítulo especial do Santo Ofício na Península Ibérica e nas suas colónias, cujo alvo principal foram os judeus e, em seguida, os cristãos-novos, ou os judeus convertidos à força ao cristianismo.Passados os séculos, a instituição e os seus excessos têm sido motivo de embaraço para muitos cristãos. Durante o Iluminismo, a Inquisição chegou a ser citada como um dos maiores exemplos de barbárie durante a Idade Média. Mas na sua época, despertava a simpatia de muito sectores, que a consideravam um instrumento político, económico e necessário para a defesa das crenças religiosas. Pesquisas históricas indicam que a presença judaica em Portugal remonta ao século VI antes da era cristã, sendo anterior à formação do reino de Portugal. No século XII, sob o comando de Afonso Henriques, Portugal torna-se uma nação e surgem as primeiras comunidades judaicas em Lisboa, Oporto (atual Porto), Santarém e Beja. Durante o reinado de Afonso Henriques, os judeus vivem momentos de tranquilidade e prosperidade, possuindo também um sistema comunitário autónomo no qual o grão-rabino era indicado pelo rei. Neste período, o grão-rabino Yahia Ben Yahia foi escolhido ministro das Finanças, sendo também responsável pela coleta de impostos no reino. A tradição implantada por Afonso Henriques, de escolher judeus para a área financeira e de manter um bom relacionamento com as comunidades judaicas, é seguida pelos seus sucessores. No entanto, para os judeus, a era de prosperidade e de participação na vida política e económica do reino termina no início do século XV, com o aparecimento de um anti-judaísmo local e com a influência cada vez maior da Inquisição espanhola. Por trás da deterioração da situação das comunidades judaicas estão as pressões da Igreja, o surgimento da burguesia e, por último, a aliança da Espanha com Portugal, fortalecida através do casamento de Manuel I com Isabel, filha dos reis católicos Fernando e Isabel. Como na Espanha, a prosperidade dos judeus despertou a inveja dos seus vizinhos, impondo-lhes, entre outras punições, maiores impostos. Para a Igreja, a conversão dos judeus e o fim do judaísmo são as únicas maneiras de afirmar definitivamente a identidade messiânica de Jesus. Para a burguesia, o fim dos judeus significa a possibilidade de conquistar uma posição privilegiada na vida económica da nação. Para os reis católicos, representa a extensão da Inquisição espanhola em solo português, perseguindo aqueles que conseguiram fugir do decreto de 1492, que determinou a expulsão de todos os judeus da Espanha. Durante o reinado do rei João, pela primeira vez os judeus são obrigados a usar nas suas roupas símbolos que indicam a sua crença religiosa. Em 1435, sob o comando de Afonso V, o Rabino Isaac Abravanel, judeu, médico, talmudista e filósofo desempenha as funções de conselheiro e tesoureiro do rei. Ao mesmo tempo, é criada uma lei que proíbe os judeus de terem empregados cristãos. A 30 de maio de 1492 é assinado o decreto que expulsa os judeus da Espanha, levando cerca de 80 mil a buscarem abrigo em Portugal, apesar das medidas restritivas que vêm sendo adoptadas no país. Mesmo com a perseguição, Portugal ainda se apresenta como uma alternativa de salvação para os judeus. Para acolhê-los, o rei João II exige o pagamento de uma taxa que lhes permite ficar no país apenas oito meses, prometendo-lhes que, ao final desse período, poderão partir em navios cedidos pelo governo. Além de não cumprir a promessa, são vendidos como escravos para a nobreza portuguesa. Neste mesmo período, cerca de 700 crianças judias foram separadas das suas famílias e enviadas para colonizar a ilha africana de St. Thomas, onde a maioria morreu. O próximo passo dessa tendência de perseguição é dado a 5 de dezembro de 1496, quando Manuel I, sucessor de João II, e às vésperas do casamento com Isabel da Espanha, assina o decreto que prevê, em dez meses, a expulsão dos judeus de Portugal. A única alternativa para evitá-la seria a conversão ao cristianismo. A maioria dos judeus, que fugira da Espanha justamente para evitar a conversão, decide então, sair de Portugal. O rei, no entanto, diante da possibilidade de saída do capital financeiro do país, juntamente com a população judaica, publica um novo decreto, que proíbe a partida de Portugal e força os judeus a se converterem.Segundo o relato de Cecil Roth, no seu livro "Uma História dos Marranos", crianças foram arrancadas do colo dos seus pais e entregues a famílias cristãs, para viverem em locais muito distantes dos seus familiares. Para alguns judeus era preferível a morte do que o baptismo dos filhos. Diante dessas medidas, não restaram muitas opções aos judeus portugueses. Enquanto uma parcela das comunidades judaicas locais aceita o seu destino e assume totalmente a sua nova religião, outra segue os novos preceitos apenas aparentemente, mantendo secretamente os seus rituais e tradições. São justamente os descendentes dessas gerações que hoje, 500 anos após o decreto de expulsão e a conversão forçada, começam gradativamente a buscar e a assumir a sua herança judaica.