14.7.08

A dissionância Cognitiva

Rav Ilish havia sido preso pelos babilónios e estava na prisão junto com um outro prisioneiro, um homem que conhecia a linguagem dos pássaros. De repente um corvo pousou na janela e começou a piar. O rav Ilish perguntou ao outro prisioneiro o que o corvo estava a querer dizer, e ele contou-lhe que o corvo dizia "Fuja, Ilish, fuja". Mas o rav Ilish não quis acreditar no corvo, pois sabia que o corvo é um animal traiçoeiro e mentiroso.
Algum tempo depois uma pomba pousou na janela e começou a piar. Rav Ilish novamente perguntou ao outro prisioneiro o que a pomba estava a dizer-lhe, e o homem contou-lhe que a pomba falava "Fuja, Ilish, fuja".
Desta vez ele acreditou que era realmente um aviso Divino, de que ele teria sucesso se fugisse. Arriscando a vida, ele fugiu e conseguiu salvar-se. Quando contou toda esta história aos seus alunos, um deles perguntou:
- Se o rabino não fugiu ao escutar o corvo foi porque não acreditou. Mas então porque acreditou no outro prisioneiro? Ele poderia ser um mentiroso!
O rav Ilish abriu um sorriso envergonhado e confessou:
- Na verdade eu também sei a língua dos pássaros, e sabia que realmente a pomba havia me dito para fugir.
- Mas rabino - perguntou o aluno - se também sabe a língua dos pássaros, então porque perguntou ao outro prisioneiro o que os pássaros estavam a dizer?
O rabino então ensinou uma grande lição aos seus alunos:
- A minha vontade de fugir era tão grande que, quando eu escutei a pomba dizendo "fuja", eu tive medo de ter entendido errado, de ter escutado o que eu gostaria de ter escutado. E só fiquei tranquilo quando confirmei com o outro prisioneiro e veriquei que ele tinha também escutado correctamente, isto é, o mesmo que eu ouvi.

(História retirada do Talmud)

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A Parashá desta semana, Balak, conta sobre o terrível medo que recaiu sobre todos os povos após as esmagadoras vitórias do povo judeu contra os reis Og e Sichon, pois ficou evidente que as batalhas do povo judeu eram vencidas de forma milagrosa. O rei de Moav, Balak, entendeu de que para vencer o povo judeu era necessário mais do que um poderoso exército, era necessário forças espirituais. Por isso Balak decidiu contratar Bilam, um grande profeta, para que ele amaldiçoasse o povo judeu e diminuísse o seu mérito espiritual. Balak tinha sentido na pele a enorme força de Bilam, pois o seu povo havia sido derrotado pelos Emorim após ter sido amaldiçoado por ele. Balak estava confiante de utilizar a mesma arma contra os judeus.
Bilam realmente tinha um grande poder espiritual. A prova da sua grandeza é que ele conseguia consultar-se com D'us sempre que desejava. Por exemplo, quando os emissários de Balak vieram buscá-lo para amaldiçoar o povo judeu, ele antes quis consultar D'us. Bilam esperava uma resposta positiva de D'us, mas ocorreu justamente o contrário. Ele recebeu uma proibição, como está escrito "E D'us falou para Bilam: Não vá com eles. Não amaldiçoe este povo, pois ele é abençoado" (Bamidbar 23:12). O mais estranho é que quando Bilam deu a resposta aos emissários, simplesmente falou "...D'us recusou-se a me deixar ir com vocês" (Bamidbar 23:13), omitindo a proibição de amaldiçoar aos judeus e deixando a entender que com aqueles emissários ele não poderia ir, mas se Balak enviasse uma delegação com pessoas mais importante, a resposta de D'us seria diferente. Como é possível que Bilam, um profeta que falava e escutava directamente as coisas de D'us, possa ter mudado as palavras Dele, dando a entender que o que O preocupava era a sua honra?
Explica o rabino Chaim Shmulevitz que de Bilam aprendemos algo muito importante, que também se aplica a cada um de nós: o ser humano escuta o que quer escutar.
Quando uma pessoa tem interesses envolvidos, ela perde a objectividade e passa a ser selectiva com as informações que circulam ao seu redor, escutando e entendendo somente o que lhe interessa. Os psicólogos chamam a este fenômeno de "Dissionância Cognitiva" , que actua de forma subconsciente de forma a bloquear informações que vão contra as nossas idéias ou vontades. Quanto maior o interesse envolvido, maior a dissonância.
E foi exactamente o que ocorreu com Bilam. Ele era uma pessoa que vivia de aparências, tentando a todo custo receber das pessoas honras e prestígio. Quando os emissários de Balak vieram chamá-lo e D'us o proibiu de ir, o choque foi grande. Como dizer aos emissários de Balak que ele, o grande Bilam, não havia recebido permissão de ir?
Neste momento entrou a Dissionância Cognitiva, e o resultado foi que Bilam não transmitiu aos emissários de Balak o que D'us lhe havia dito.
Ele quis contradizer as palavras que havia escutado directamente de D'us? Certamente que não. Então, por que ele as mudou?
Ele tinha tantos interesses envolvidos que realmente acreditou que era isso o que D'us havia dito.

Fica a preciosa lição da Torá, que não foi ensinada apenas para a geração do deserto, mas para cada um de nós: temos que tomar cuidado e verificar sempre os nossos interesses envolvidos, para termos a certeza de que não estamos constantemente escutando apenas o que gostaríamos de ouvir.