21.6.07

Parashat: Chukat


As leis sobre “Pará Adomá”, a vaca vermelha, descritas nesta parashá, estão incluídas dentro das leis de pureza e impureza da Torá. De acordo com estas leis, se sacrificava a vaca vermelha, queimavam-se os restos e as suas cinzas serviam como elemento purificador para aqueles que haviam adquirido impureza ritual como consequência do contacto com um morto. Era imprescindível que a vaca fosse totalmente vermelha. Se apenas dois dos seus pelos fossem de outra cor, tornava-se invalida para tal função. Também não poderia trabalhar a terra ou transportar cargas quando estava destinada a purificar o homem impuro. Apenas depois de ter sido purificado mediante as cinzas da vaca, ao homem impuro lhe era permitido entrar no Templo.

O homem de Israel deve cumprir com distintos tipos de preceitos. Existem preceitos positivos e negativos. Existem leis racionais, compreensíveis, morais e também preceitos que são ordens dogmáticas que não podemos questionar e sobre as quais não podemos receber resposta sobre a sua causa ou finalidade. Entre estas leis se destaca o preceito de “Pará Adumá”, da qual se refere a nossa parashá. Este preceito constitui um segredo, um enigma que está além da nossa compreensão. Numerosas tentativas foram feitas de explicar o sentido deste preceito e das leis diversas que o especificam, porém o preceito parece possuir uma dimensão mística, espiritual, para a qual é difícil prover explicações racionais. A mente e a razão humanas são capazes apenas de perceber a realidade sensorial e o mundo dos factos reais, com os quais podem relacionar-se em forma adequada. Isso não ocorre com respeito aos elementos que se encontram para além desta realidade.

A cerimónia relacionada com “Pará Adumá” constitui uma actividade de purificação pessoal, uma experiência individual que purifica o judeu desde o ponto de vista ritual e lhe permite retomar o seu estado de pureza. A sua eficiência não se baseia no sentimento nem no raciocínio, senão que exige obediência e submissão, através do impulso do pensamento e a vontade diante da Lei Divina.

Segundo a concepção judaica do sistema de leis e preceitos, é possível analisar a definição dos preceitos, porém, é necessário cumpri-los e ensiná-los mesmo no caso em que não seja possível prover uma explicação racional ou moral como os preceitos de Shatnez (a proibição de misturar tecidos numa roupa), ou o preceito de “Pará Adumá”.

Do ponto de vista teórico existem diversas razões para o cumprimento dos preceitos e cada uma das escolas de pensamento apresentou a sua interpretação própria. O chassidismo considerou que o cumprimento dos preceitos permitia uma aproximação íntima com o Criador. A escola filosófica destacou os aspectos morais, históricos, utilitários e intelectuais relacionados com os diversos preceitos. Os estudiosos da Kabalá sustentaram que o cumprimento dos preceitos possuía uma intenção Divina, cósmica, e que representa o aspecto exterior que apontava a um segredo Divino. Seja qual for o ponto de vista que apoiamos com respeito aos preceitos, devemos destacar que o seu cumprimento é obrigatório.

O judaísmo não é apenas uma crença ou religião, mas também um sistema legal. Um sistema legal admite a existência de uma congregação que aceita as normas que o compõe. Todo sistema legal baseia-se no conceito fundamental que diz: o direito e a capacidade do governador de estabelecer as suas leis. Desta premissa derivam as leis do judaísmo, sendo a sua origem o pacto entre D-us e o seu povo.

O judeu religioso assume dois compromissos: o cumprimento dos preceitos e a identificação com o destino do povo. Ambos demandam um alto nível de fé, já que é possível considerar que este sistema legal constitui uma ordem natural dentro da qual está o homem, quem os aceita como uma realidade. Na sua vida pessoal, o homem aceita sobre si o cumprimento dos preceitos que se referem a cada aspecto da sua vida e entre os quais existem também preceitos que lhe resultam incompreensíveis.

A Torá distingue entre dois tipos de leis: Chok e Mishpat – Chukim são geralmente leis lógicas, a tal ponto que se certa conduta não nos fosse exigida por ordem Divina, nunca a realizaríamos. Suponhamos que cada lei possui lógica e intenção Divinas, porém não podemos saber qual é seu objectivo. Os Mishpatim são leis que reflectem valores culturais que exigem compromisso e cumprimento, se originam de uma ordem Divina.

É possível definir uma lei como uma norma e ordem absolutas, que demandam obediência total, sem reparo algum. Um judeu observante aceita a ordem da Torá do mesmo modo que o doente aceita as instruções e os medicamentos do seu médico. É possível tentar analisar e averiguar, porém em última instância é necessário aceitar a lei sobre a base da nossa fé.

A lei possui aspectos característicos. Em primeiro lugar, é inalterável. Não depende das transformações da situação ou da ideologia, ou das variadas condições económicas ou sociais. A lei religiosa possui o mesmo caráter inalterável das leis naturais. A lei constitui o elemento básico que determina e dirige a existência física da natureza e a conduta do homem, por isso deve ser inalterável.

A segunda característica de uma lei é sua exigência de obediência e submissão total, justamente porque requer a renuncia à compreensão humana. Apesar de que o homem é um ser pensante, a lei exige, muitas vezes, renunciar ao entendimento.

O judeu aceita a Torá em sua totalidade, em qualidade de lei inalterável e incompreensível. Na realidade cumprimos com todos os preceitos – também com os que possuem uma explicação racional no aspecto social ou cultural – como se fossem leis. Não diferenciamos entre os preceitos, mas aceitamos e cumprimos todos eles, na sua qualidade de obrigações religiosas absolutas. Em muitas ocasiões a razão humana sente-se perplexa diante da decisão que deve ser tomada, já que o entendimento humano deve necessariamente ponderar as razões a favor e contra de cada uma das alternativas.

Muitas vezes a razão coloca ao homem numa encruzilhada, sem que seja capaz de decidir em forma cabal qual deve ser o caminho a tomar e qual é a consideração que tem o valor moral mais elevado. Este facto indica-nos que o sistema legal não deve basear-se na razão humana. Por isso, a Torá assinala valores e preceitos que devem ser aceites na qualidade de leis, o qual determina que não podem ser reformados, mesmo no caso em que a nossa razão se sinta confusa. Se esta condição não existisse, seria possível anular cada uma das leis, com um pretexto lógico dos homens. A lei é um limite que restringe as tendências do coração do homem, porém não constitui um limite claro e evidente, mesmo assim contém uma razão e uma atitude que não se revelam diante dos olhos do homem.