10.5.07

As virtudes do Coração


A Lei Judaica ordena que um judeu adquira um etrog antes do feriado de Sucot, e recite uma bênção sobre ele a cada dia da Festa (exceto no Shabat).Agnon relata que pouco antes de Sucot , no bairro de Talpiot em Jerusalém, onde mora, ele encontrou um dos seus vizinhos, um rabino idoso originário da Rússia, numa loja que vendia etroguim. O rabino disse a Agnon que como a Lei Judaica considera algo muito especial a aquisição de um etrog perfeito, esteticamente belo, ele estava disposto a gastar uma grande quantia para comprar este objeto ritual, apesar dos seus meios limitados.

Agnon ficou surpreso um dia depois, quando começou o feriado e o rabino não tirou seu etrog durante o serviço na sinagoga. Perplexo, ele perguntou ao homem onde estava o lindo etrog. O rabino contou-lhe a seguinte história:Acordei cedo, como de costume, e preparei-me para recitar a bênção sobre o etrog na sucá em meu terraço. Como você sabe, tenho um vizinho com família grande, e nossos terraços são adjacentes. Como você também sabe muito bem, nosso vizinho, pai de todas aquelas crianças na casa ao lado, infelizmente é um homem de pavio curto. Muitas vezes, ele grita com os filhos; já falei com ele sobre a sua severidade, mas isso de nada adiantou.Enquanto eu estava na sucá no meu terraço, preparando-me para recitar a bênção sobre o etrog, ouvi uma criança chorar. Era uma menininha, uma das filhas do nosso vizinho. Fui até lá para ver o que estava acontecendo. Ela contou-me que também tinha acordado cedo e saído ao terraço para examinar o etrog do pai, cuja aparência estética e deliciosa fragrância a tinham encantado. Desobedecendo às instruções do pai, ela tinha tirado o etrog do estojo para olhá-lo. Infelizmente, deixou-o cair no piso de pedra, danificando-o irremediavelmente, tornando-o inaceitável para uso ritual. Ela sabia que o pai ficaria furioso, e talvez a punisse severamente. Daí as lágrimas assustadas e os gemidos de apreensão.Eu a consolei, e depois coloquei meu etrog no estojo do pai dela, levando o etrog danificado para minha casa. Disse a ela para contar ao pai que o vizinho insistia para ele aceitar o presente do etrog, e que ele estaria honrando a mim e ao feriado se o fizesse.Agnon conclui: "O etrog do meu vizinho, mesmo danificado, ritualmente inútil, era o mais lindo etrog que eu jamais vira."Gosto dessa história porque, ao seu modo suave, nos lembra de como um judeu deve comportar-se. Somos convocados a construir uma sociedade de vidas sagradas e atos generosos. A sensibilidade, juntamente com a bondade, é o próprio centro dos valores judaicos. O Judaísmo não é uma fé de momentos sagrados separados da vida diária. É uma religião que infunde a textura da vida diária, das ações cotidianas, palavras e relacionamentos.No ardente primeiro capítulo de Yeshayáhu, o profeta denuncia aqueles que são escrupulosos ao oferecer sacrifícios, porém negligenciam os pobres, ou abusam dos fracos. O Judaísmo não é Judaísmo se desconectamos nossos deveres a D'us das nossas obrigações para com nossos semelhantes, os seres humanos. Ser judeu é estar alerta ao sofrimento dos outros. Isto é lindamente expresso numa famosa linha nos Salmos:1"Eu era jovem e agora sou velho, porém não vi o justo abandonado ou seus filhos mendigando pão."A pergunta é óbvia: Certamente no decorrer da história, houve vezes em que os justos foram abandonados? Uma linda explicação pode ser encontrada nas palavras-chave do versículo: lo ra'iti, normalmente traduzidas como "Eu não vi." O verbo ra'iti, porém ocorre duas vezes no Livro de Esther com um significado bem diferente. "Como posso suportar assistir (eichachah uchal vera'iti) ao desastre que cairá sobre meu povo?" E "como posso suportar assistir à destruição da minha família?"2 O verbo aqui não significa meramente "ver". Significa "ficar ali assistindo, ser uma testemunha passiva, um espectador desengajado." Ra'iti nesse sentido significa ver e não fazer nada para ajudar. Isso, para Esther, como para o Salmista, é uma impossibilidade moral. Um judeu jamais pode ser indiferente às necessidades dos outros.

Lido dessa maneira, o versículo declara: "Eu era jovem e agora sou velho, e não fiquei simplesmente parado olhando quando os justos foram abandonados e seus filhos forçados a mendigar pão." Eu estendi uma mão amiga e um coração amoroso à pessoa em necessidade.O mundo é tremendamente rico. A imaginação humana é incapaz de prestar atenção a todas as suas facetas. O artista vê o mundo em cores, o escultor em formas, o músico percebe o mundo em sons, e o industrial em ações. O Salmista vê o mundo inteiro em termos de uma arena para a bondade, compaixão e justiça. Ser judeu é ser sensível à pobreza, ao sofrimento e à solidão dos outros.Uma história: O famoso filósofo, Bertrand Russel, tinha o hábito de pontuar suas palestras com comentários sarcásticos e irônicos. Esta prática ofendeu um aluno em sua aula sobre ética, que quis saber como um professor de ética podia ser tão cínico.Russel perguntou ao estudante: "O que mais você está estudando?" O aluno respondeu: "Estudo matemática." Disse Russel: "Então por que não pergunta ao seu professor de matemática por que ele não é um triângulo ou um trapézio?"

O professor astutamente ilustrou que se a ética obriga o professor de ética a ser uma pessoa ética, a matemática deveria obrigar o matemático a ser uma figura geométrica.Em contraste, o pensamento judaico insiste que as verdades Divinas estão incorporadas exatamente no tipo de pessoa que nos tornamos. O Talmud pergunta o que é maior, talmud ou maassê, o estudo ou a ação? E responde: o estudo é notável porque leva à ação.3 O conhecimento, então, não é um fim em si mesmo, mas um caminho para a transformação do caráter. Judaicamente, estudar não é testado passando nos exames, mas sim pela maneira como se vive. Se eu me tornar um notável erudito mas não viver moralmente, então minha educação pode ter sido um sucesso acadêmico, mas uma falha em termos de Judaísmo.Quando a Torá fala sobre educação, faz isso de uma maneira admirável. Ela não fala – como fazem os grandes pensadores gregos, Platão e Aristóteles – da busca pelo conhecimento e da procura da verdade. Fala de ensinar às crianças como se comportarem ética e espiritualmente. Avraham é escolhido "para que ele instrua seus filhos e sua família para manterem o caminho de D'us, promovendo paz e justiça." A educação judaica não é sobre a contemplação abstrata da verdade, é sobre moral e vida sagrada.Na verdade, Maimônides explica que viver de maneira sagrada é um tema geral no Judaísmo. Assim, em seu comentário ao versículo "ande nos caminhos de D'us"4 ele declara: Somos ordenados a desenvolver alguns traços de caráter – sermos bondosos, misericordiosos e sagrados, pois D'us é bom, misericordioso e sagrado. Isso significa que além de prescrever ou proibir determinadas ações, o Judaísmo exige que desenvolvamos algumas virtudes do coração. O Judaísmo é mais que uma coreografia de comportamento. A Torá está preocupada não apenas com a conduta, mas também com o caráter; não somente com mitsvot que cumprimos, mas também com o tipo de pessoa que somos5.Há pessoas bem-sucedidas, inteligentes ou influentes, mas também há pessoas que a Torá transformou, e você pode dizer isso pelo seu comportamento, sua maneira de relacionar-se com as pessoas. Eles trazem orgulho e honra ao Judaísmo. Como o rabino que deu seu etrog a uma criança. Pois a meta do Judaísmo é que o homem seja uma incorporação da Torá, para a Torá estar no homem, em sua alma e em seus atos.