6.5.07

O significado íntimo da Matzá


Rabino Pinchas Stolper

Comer matzá é um acto de desafio às leis da natureza, tempo e história.

Por que a matzá é tão fundamental para a celebração de Pessach? Por que Pessach é chamado de Chag HaMatzot, "o Feriado das Matzot" pela Torá? Por que este alimento tão simples é a base da experiência e ideologia judaica? Por que a matzá simboliza a liberdade humana?

A Matzá tem muitos aspectos. É o "pão da aflição”, pão do homem pobre, que os escravos comem. Também é o pão da libertação e liberdade. Vamos examinar seus variados significados.

O pão é considerado o alimento básico, mas a matzá é o pão mais básico ainda, a comida mais simples feita pelo homem. A matzá inclui a mistura dos três elementos essenciais que definem o homem civilizado: grão, água e fogo. Nenhum elemento externo além da farinha e água é permitido para definir ou influenciar sua forma. A Matzá é feita de farinha e água fria, nada mais. Se a mistura da farinha com a água passar dos 18 minutos, o processo de fermentação já começa a acontecer. A bactéria de levedura, encontrada no ar, invade a massa, se multiplica em milhões e causa a fermentação. Os microorganismos de levedura são um exército invasor não convidado, que se intrometem na mistura da farinha e água, e se deliciam com as gostosas moléculas de açúcar. Como os microorganismos de levedura se multiplicam em bilhões, liberam também o dióxido de carbono, um tipo de gás, que azeda a massa tornando-a tênue e iluminada e fazendo com que cresça.

A intervenção desta força externa é uma expressão simbólica da intrusão das forças externas no homem; forças que influenciam pessoas a inclinar-se de seu determinado caminho e as atraem ao pecado, comprometendo a independência humana, a autonomia e as escolhas.Os microorganismos de levedura começam seu trabalho independentemente da vontade humana e da pessoa que combinou a farinha com a água que constitui a mistura da massa de farinha. A fermentação, isto é, o chametz, representa estas forças negativas. Representa a inclinação para o mal, a vontade de pecar, a influência de idéias estranhas, prazeres e forças. É a voz não convidada que nos influencia a ignorar a presença e o poder do mal, até que seja tarde demais.

Qual é a diferença entre chametz (fermento) e matzá? O tempo. Nada mais. Os ingredientes são os mesmos. Por definição, a massa feita de farinha e água quando passa dos 18 minutos, antes de estar completamente assada, torna-se chametz, fermento. Pois a matzá é um pão que não é fermentado, representa o homem com controle de suas paixões, exercendo sua independência, sua vontades disciplinadas, não influenciadas pelas forças externas.A Matzá é o oposto do chametz.

Para parafrasear o Rabino Chaim Friedlander, um dos gigantes do pensamento judaico em nossa geração, a fermentação demonstra causa e efeito no mundo da natureza. Quando testemunhamos o trabalho da natureza, aparentemente fazendo as coisas sozinha, sem qualquer intervenção externa, percebemos como os processos naturais têm o efeito de esconder a Mão de Deus.

As Matzot são assadas rapidamente, num esforço para superar as influências e limitações do tempo. Nós assamos as matzot enrugadas e achatadas, com a finalidade de relembrar o Êxodo, quando o Povo de Israel fugiu para o Egito rapidamente, como a Torá fala: "Você deve comer matzot durante sete dias...o pão do sofrimento, pois deixou o Egito apressadamente." Esta mitzvá ensina que o controle de D’us da natureza e da história está acima e além das restrições e limitações de tempo. D’us não exige causa e efeito. Não precisa de tempo para realizar Suas metas. Em Pessach, devemos imitar D’us e estar criativos espiritualmente, agindo com zelo e rapidez, vivendo a vida além do tempo, em sociedade com D’us que está acima do tempo e é infinito. Respondemos a D’us agindo de forma a desafiar a natureza, quebrar os limites impostos pelo tempo e natureza.

A precipitada partida dos judeus do Egito aconteceu devido à Praga da morte dos primogênitos egípcios, o que convenceu Faraó de que se caso não respondesse às pressões de D’us sem um momento adicional de atraso, todo o Egito enfrentaria um colapso e a destruição imediata. Para o Egito sobreviver, Israel deveria partir imediatamente.

Para Israel sobreviver tinham que fugir imediatamente.D’us forçou a mão do Faraó. Ele o fez para ensinar ao Faraó e a toda a humanidade que atrás do curso natural dos eventos, que podem ser descritos como o trabalho de causa e efeito, a Mão de D’us compele as forças da história e da natureza para se ajustar ao Seu programa de trabalho. Como o Maharal (Rabino Yehuda Loewe Ben Bezalel, uma notável figura do pensamento judaico) explica, era necessário que a humanidade ficasse ciente do fato de que o Êxodo foi o resultado direto da Vontade e intervenção de D’us.

Mas, por que a pressa? Por que, depois de 210 anos de escravidão, D’us finalmente decidiu pressionar os Egípcios a tirar os judeus com rapidez e força? Os Sábios ensinam que os judeus alcançaram o 49° grau de decadência. Assim, se entrassem no 50° grau, algo que era iminente, atingiriam um ponto sem volta e ficariam sem solução. Uma vez que cederam a imoralidade infame, ao materialismo, à decadência e ao paganismo dos Egípcios, suas origens, as de Avraham, se tornariam irreconhecíveis e afundariam e desapareceriam na confusão da sociedade egípcia.

Os Sábios explicam que cada grau adicional de decadência implica numa progressão geométrica, algo como a escala Richter, onde cada número é dez vezes maior que o anterior. Então desde que Israel não passasse pelo 50° grau de impureza, suas origens, as de Avraham estariam ainda reconhecíveis, entretanto sujas. Os Sábios ensinam que durante aqueles 210 anos de escravização, os "Israelitas, para seu beneficio, não mudaram seus nomes, sua cultura, seu idioma ou sua vestimenta”, indicando claramente que apesar das constantes pressões e insultos, permaneceram judeus em todos os sentidos. Os nomes em hebraico dos judeus, como relatados na Bíblia, demonstra que adoraram continuamente o verdadeiro D’us de Israel e permaneceram fieis a sua herança.

Mas, depois de 210 anos estavam próximos de perder esta herança. Tiveram que superar as pressões do tempo tornando-se um povo infinito, eterno. Isto necessitava ajuda Divina; D’us pegou rapidamente Seu Povo e os libertou. Sua libertação milagrosa desafiou as leis da natureza, do tempo e da história.

O Maharal explica que é por essa razão que eles foram ordenados a comer matzá quando observavam o Pessach de sua libertação e por todos ou outros Pessach subseqüentes ao longo de toda a eternidade. A matzá é a única comida que sua fabricação ordena que seja feita sem tempo, ou seja, além do tempo, o mais depressa possível. A proibição do fermento também nos ensina que a natureza não opera independentemente, e sim é controlada por D’us. A natureza é a Vontade de D’us escondida no mundo natural.

Quando aplicado ao próprio ser humano, os Sábios ensinam que o "ato de inflar da massa”, natureza do chametz, simboliza o traço característico da arrogância e da vaidade. A superfície achatada, a matzá não fermentada representa a humildade. A humildade é o início da libertação e o fundamento do crescimento espiritual. Só uma pessoa que pode reconhecer suas negligências e se submeter a uma sabedoria superior pode se livrar de suas próprias limitações. Quando comemos matzá, interiorizamos a qualidade de humildade como a essência da fé. Não comer chametz, nos liberta da arrogância e do egocentrismo.

Num sentido simbólico, o Povo de Israel tornou-se "fermentado" a ponto de quase se tornarem chametz. D’us salvou Israel de se tornar chametz, o que causaria a destruição de Israel. Foi a Mão redentora de D’us que garantiu a Israel que continuariam sendo “matzá”, a essência da humildade, por todos os tempos.

Por todas as razões acima, as palavras "mitzvá" e "matzá" são análogas. Nossos Sábios ensinam, "mitzvah ela 'haba 'ah leyadcha Al tachmitzena, quando uma mitzvá chegar, não permita que ela fermente", isto é, quando a oportunidade para fazer uma mitzvá surge, faça-a depressa. Este ensinamento se aplica a urgência de assar a matzá de Pessach com rapidez a todas as mitzvot. O judeu espera conquistar o tempo, viver além do tempo, associar sua vida a D’us, Que é infinito e eterno. Os judeus nunca desperdiçam o tempo; o presente é agora, por isso é tão precioso. Os judeus empregam o tempo para submetê-lo às metas da eternidade. Isto é feito fazendo deste um artigo precioso, preenchendo-o com Torá, mitzvot e chessed (bondade).

Um trecho do livro “Living Beyond Time”, da Artscroll Publications.